domingo, 7 de novembro de 2010

Imaginar é viver




A imaginação é a grande companhia dos solitários, dos carentes, dos excluídos de todo tipo. Quando uma pessoa está só, triste ou desgarrada de um grupo, recorrer a tudo o que é sonho é uma válvula de escape necessária como transição para a busca de novos rumos. E não é exagero concluir que ter essa capacidade é tão importante para a vida como se alimentar, trabalhar, amar o próximo. Imaginar também é viver.
Entre os motivos que fazem a infância ser o período mais feliz da vida está a incrível disposição da criança de transpor a realidade para a imaginação. Com as restrições impostas pelos adultos que a toda hora dizem não pode isso, não pode aquilo, a criança se liberta pela imaginação. É justamente em meio a esse processo que muitos descobrem a vocação para se expressar pelas veredas imaginárias do desenho, da pintura, da escrita, da dramaturgia.
Dominada por uma ilusão de liberdade mental, a criança não tem o constrangimento de se imaginar um super-herói. Depois que cresce, ela se rende às regras ditadas pelas convenções, é engolida pelas prisões do mundo dos adultos e habitualmente perde a habilidade de dar prioridade ao encanto da imaginação.
Numa história de guerra, um soldado escreveu para a namorada: Eu só não enlouqueço de saudade porque consigo imaginar você comigo, e a sua presença é tão real que assim eu administro a falta que você me faz. Quando retornou da guerra, sofreu a desilusão de encontrar a namorada nos braços do seu melhor amigo. Ela pensava que o namorado estava morto. O desfecho foi difícil para ele, mas certamente a sua capacidade diferenciada de criar fantasias na frente de batalha contribuiu para sobreviver aos horrores da guerra.
A imaginação também é fertilizada pela memória. Reconstruir uma situação de extrema importância requer experiência vivida e acumulada nos arquivos do cérebro. Sem esse recurso, tudo fica mais difícil.
Entre os períodos mais nostálgicos da minha infância estão as longas horas ouvindo histórias contadas por meus pais, meus avós, meus tios. Eles me proporcionavam uma versão das Mil e Uma Noites com os seus relatos sobre reis, aventureiros, gigantes, vilões, príncipes e princesas. E eu tinha a ilusão de percorrer castelos, florestas, desertos, montanhas, labirintos. Muitas vezes ia dormir impressionado com as histórias de assombrações. Era a minha imaginação a todo vapor. Certamente aqueles tempos moldaram a minha paixão pelas narrativas, sejam na forma de livro, de cinema, de telenovela, de conversa no restaurante, no trabalho, na mesa de bar.
A imaginação é campo fértil para a criação. O Dom Quixote de Miguel de Cervantes, considerado o grande romance moderno, é puro imaginário. As aventuras do personagem que se vê como cavaleiro andande e vive mil loucuras é puro delírio. E não há nada mais encantador, prazeroso, divertido, do que ler Dom Quixote.
A Monalisa, famoso quadro de Leonardo Da Vinci, é outro desafio à imaginação. Por que ou para quem aquela mulher esboça um leve sorriso? Existem especulações, mas elas podem ser todas desqualificadas.
No livro A Imaginação, o tema mereceu um estudo de Jean-Paul Sartre, o filósofo francês criador do existencialismo. Descontada a linguagem hermética do livro, basta tomá-lo como base para concluir que o imaginário também é um problema filosófico.
No entanto, nem sempre a imaginação é positiva para o homem. Nos momentos em que ela gera dúvida, incerteza, espanto, os efeitos podem ser desastrosos. E por que isso acontece? É quando a imaginação deixa o terreno do sonho e o homem transpõe o muro que o leva às agruras da realidade. Nessas ocasiões, a única saída é a porta dos fundos. Ou a escada de incêndio. Ou o aeroporto.


Por Carlos Araújo. (Carlos.araujo@cruzeiro.com.br)

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Um comentário:

  1. Parabéns pelo post, uma vez que que fico a imaginar o tempo todo então vivo nesses e outros instantes, já dizia um certo Pensador: Penso logo existo...

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