quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Lobato, Tia Nastácia e o preconceito racial



A cada dia vivemos uma surpresa. Agora tentam impor restrições ao livro “Caçadas de Pedrinho”, de Monteiro Lobato, classificando-o como racista ou preconceituoso por falar da negra Tia Nastácia. Coisas de tecnocratas completamente divorciados da realidade brasileira e, ao que parece, ignorantes sobre a história e a cultura de nossa sociedade. Se conseguirem barrar o nosso maior escritor do público infantil, esses neotacanhos logo estarão também perseguindo Machado de Assis, Jorge Amado e a outros autores indispensáveis à cultura nacional. Mas, mesmo assim, não terão conseguido romper com o preconceito, o racismo e outros males da sociedade.

A questão do preconceito tem sido discutida na sociedade brasileira de maneira demagógica, hipócrita e ineficiente. Aqueles que se apresentam como arautos da igualdade pensam apenas em afro-descendentes e homossexuais e, parece que propositadamente, ignoram os orientais, os judeus, os árabes, os pobres, os deficientes físicos, as mulheres e tantos outros segmentos que sofrem discriminação vinda de seus desiguais. Fazem questão de ignorar que afro-descendente e homossexual também discriminam os demais e, portanto, não são os “coitadinhos” que seus falsos defensores querem fazer crer.

No tempo em que viveram Monteiro Lobato e Machado, o Brasil era uma sociedade altamente discriminadora e tinha nos negros o objeto maior da desigualdade, mais pela questão econômica da abolição do que pela cor da pele ou qualquer outro fator. Com o desenvolvimento, vieram outros grupos étnicos – os imigrantes – que também foram discriminados e discriminaram. Mas o país transformou-se nesse imenso caldeirão de miscigenação que tende, cada vez mais a reduzir as questões étnicas. Tanto que aqui convivem pacificamente etnias rivais em suas origens – judeus e árabes, por exemplo - e muitos brasileiros de hoje são afro-descendentes e, ao mesmo tempo, têm traços índios, europeus, orientais etc. E a mistura, por via de regra, apresenta excelentes resultados.

Quanto ao preconceito, já existe legislação que o criminaliza e evita os excessos. Agora, sair procurando frases ou ideias preconceituosas na obra cultural é atitude, no mínimo, idiota. A literatura, a música, a propaganda e todas as manifestações são decorrência do clima vivido pela sociedade na época de sua produção. E, mesmo no Brasil preconceituoso dos Séculos 19 a 20, não dá para acreditar que certas obras tenham tido o objetivo de diminuir ou ridicularizar as minorias e os desiguais.

Em vez de tentar criar uma carapaça protetora a negros e homossexuais, governo, lideranças, forças da sociedade e principalmente os intelectuais deveriam lutar em busca de igualdade para todos os indivíduos, independente de sua cor, raça, religião, orientação sexual e nível econômico. Só seremos uma sociedade justa no dia em que todos tivermos a cidadania respeitada, com direitos e deveres iguais. Aqueles que hoje estabelecem cota para negro, mulher ou qualquer outro segmento deveriam parar com isso porque, a partir do momento em que entra na universidade, no emprego ou em qualquer lugar pela porta privilegiada, o indivíduo fica marcado e aí, sim, a desigualdade é fortalecida.

Igualdade é a palavra de ontem. Todo o resto é retrocesso e motivo para os ditos “defensores” se aproveitarem daqueles a quem dizem defender. É a neoescravatura...


Por Dirceu Cardoso Gonçalves

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Um comentário:

  1. Monteiro Lobato decididamente tem momentos bem preconceituosos em seus livros. Não só em " As caçadas de Pedrinho", mas também em "Reinações de Narizinho" e em "A Reforma da Emília". A história é a seguinte : naquela época, isso era comum, e nem era visto como preconceito. Então, é pavorosamente errôneo julgar essa literatura como preconceituosa. Machado de Assis idem. É preciso saber separar, e ensinar às crianças que isso faz parte de um contexto que não existe mais.

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