quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

O calote do governador do Rio Grande do Sul: Governabilidade e confiança?

A arte de governar um país, estado ou município está ligada à política de reciprocidade. O exercício do poder pressupõe a reciprocidade entre os diferentes atores políticos. Nisso está o segredo da confiança. Ela se vincula, pois, à reciprocidade entre os diferentes atores. Nesse horizonte, a governabilidade requer um grau de confiança à altura das expectativas geradas e, ao mesmo tempo, na missão que os atores assumem uns perante os outros.

Em vista disso, é por demais suspeita a atitude do novo governo gaúcho em simplesmente decretar o não pagamento das contas por 180 dias. Não se trata apenas de romper contratos, mas de gerar um clima de desconfiança um tanto pueril. E há motivos de sobra para desconfiar dessa atitude.

Em primeiro lugar, fica evidente que se trata de um governo que assume abertamente um programa partidário. Talvez não seja propriamente uma questão partidária, porque não se sabe "qual PMDB" esse governo está retratando. As últimas eleições evidenciaram que esse partido joga como se fosse um agente duplo, com diferentes rostos, conforme a conveniência local, regional ou nacional. Não quero afirmar que o grupo que governou o Rio Grande do Sul até o final do ano passado tivesse a preocupação de afiançar um marco de governança acima dos interesses partidários e/ou particulares.

 O certo é que os eleitores gaúchos estão diante de uma política que abandona qualquer preocupação com a sociedade, para afirmar-se como um governo ligado a um grupo e a determinados interesses setoriais.

Em segundo lugar, o fato de gerar desconfiança indica a falta de programa do próprio governo que assume. Se não sabe o que fazer, volta-se contra os que deixaram o governo. Sem dúvida, essa é uma insígnia maléfica para a governabilidade em qualquer instância. Pois um programa de governo não pode apresentar como principal objetivo a nulidade dos acordos e dos contratos, ainda que realizados por grupos partidários diferentes.

Em terceiro lugar, o decreto do atual governador revoga o voto de confiança depositado pelos eleitores. Há, nisso, uma espécie de traição, pois o principal objetivo de um governo é gerar confiança. Sem isso, o mandato parece estar fadado ao fracasso desde o primeiro dia. E se for assim, só resta esperar o término dessa gestão para, então, os eleitores gaúchos buscarem um novo grupo para governar o Estado. Em outras palavras, o pior fenômeno para a governabilidade está na desconfiança, o caminho mais curto para a falta de reciprocidade - inclusive para os correligionários e colaboradores.

Por isso, a questão está gerando mais dúvidas que certezas. Trata-se de um equívoco difícil de reverter, pois são muitos fatores em jogo. Há outras formas e procedimentos para iniciar uma gestão pública. Todavia, o leite, uma vez derramado, impossível converter-se em alimento digestível.
Quando há desconfiança, o repúdio à política saudável tende a aumentar sempre mais. E não é isso que a sociedade espera dos gestores políticos.



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