A multiplicação dos crimes em família tem deixado a
opinião pública em estado de choque. Paira no ar a mesma pergunta que Fellini
pôs na boca de um dos personagens do seu filme Ensaio de orquestra, quando, ao
contemplar o caos que tomara conta dos músicos depois da destituição do
maestro, pergunta, perplexo: "Como é que chegamos a isto?" A
interrogação está subjacente nas
reações de todos nós, caros leitores, que, atordoados, tentamos encontrar
resposta para a escalada de maldade que tomou conta do cotidiano.
A tragédia que tem fustigado algumas famílias
aparece tingida por marcas típicas da atual crônica policial: uso de drogas, dissolução
da família e crise da autoridade. Não sou juiz de ninguém. Mas minha
experiência profissional indica a presença de um elo que dá unidade aos crimes
que destruíram inúmeros lares: o esgarçamento das relações familiares. Há
exceções, é claro. Desequilíbrios e patologias independem da boa vontade de
pais e filhos. A regra, no entanto, indica que o crime hediondo costuma ser o
dramático corolário de um silogismo que se fundamenta nas premissas do egoísmo
e da ausência, sobretudo paterna. A desestruturação da família está, de fato,
na raiz da tragédia.

A ausência de limites e a crise da autoridade estão
na outra ponta do problema. Transformou-se o prazer em regra absoluta. O
sacrifício, a renúncia e o sofrimento, realidades inerentes ao cotidiano de
todos nós, foram excomungados pelo marketing do consumismo alucinado. Decretada
a demissão dos limites e suprimido qualquer assomo de autoridade - dos pais, da
escola e do Estado -, sobra a barbárie. A responsabilidade, consequência direta
e imediata dos atos humanos, simplesmente evaporou.
Em todos os campos. O político ladrão e aético não
vai para a cadeia. Renuncia ao mandato. O delinquente juvenil não responde por
seus atos. É "de menor".
A despersonalização da culpa e a certeza da
impunidade têm gerado uma onda de superpredadores. Gastamos muito tempo no
combate à vergonha e à culpa, pretendendo que as pessoas se sentissem bem
consigo mesmas. O saldo é uma geração desorientada e vazia. O inchaço do ego e
o EMAGRECIMENTO da solidariedade estão na origem de inúmeras
patologias.
A forja do caráter, compatível com o clima de verdadeira liberdade, começa a
ganhar contornos de solução válida. A pena é que tenhamos de pagar um preço tão
alto para redescobrir o óbvio.

As análises dos especialistas e as políticas
públicas esgrimem inúmeros argumentos politicamente corretos. Fala-se de tudo.
Menos da crise da família e da demissão da autoridade. Mas o nó está aí. Se não
tivermos a coragem e a firmeza de desatá-lo, assistiremos a uma espiral de
crueldade sem precedentes. É só uma questão de tempo. Já estamos ouvindo as
primeiras explosões do barril de pólvora.
O horror dos lares destruídos pelo ódio não está
nas telas dos cinemas. Está batendo às portas das casas de um Brasil que
precisa resgatar a cordialidade e a tolerância.
Comente este artigo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário