domingo, 28 de março de 2010

Solitário no caminho - Paulo Coelho



A vida é como uma grande corrida de bicicleta, cuja meta é cumprir a Lenda Pessoal – aquilo que, segundo os antigos alquimistas, é nossa verdadeira missão na Terra.
Na largada estamos juntos, cheios de camaradagem e entusiasmo. Mas, à medida que a corrida se desenvolve, a alegria inicial cede lugar aos verdadeiros desafios: o cansaço, a monotonia, as dúvidas sobre a própria capacidade. Reparamos que alguns amigos já desistiram, outros ainda estão correndo apenas por que não podem parar no meio de uma estrada. Este grupo vai ficando cada vez mais numeroso, com todos pedalando ao lado do carro de apoio – também chamado de Rotina – onde conversam entre si, cumprem suas obrigações, mas esquecem as belezas e desafios do caminho.
Terminamos por nos distanciar deles; e então somos obrigados a enfrentar a solidão, as surpresas com as curvas desconhecidas, os problemas com a bicicleta. Em um dado momento, depois de alguns tombos sem ninguém por perto para nos ajudar, terminamos por nos perguntar se vale a pena tanto esforço.
Sim, vale. O padre Alan Jones diz que, para que nossa alma tenha condições de superar estes obstáculos, precisamos de Quatro Forças Invisíveis: amor, morte, poder e tempo.
É necessário amar, porque somos amados por Deus.
É necessária a consciência da morte, para entender bem a vida.
É necessário lutar para crescer – mas não se deixar iludir pelo poder que chega junto com o crescimento.
Finalmente, é necessário aceitar que nossa alma – embora seja eterna – está neste momento presa na teia do tempo, com suas oportunidades e limitações; assim, em nossa solitária corrida de bicicleta, temos que agir como se o tempo existisse, fazer o possível para valorizar cada segundo, descansar quando necessário, mas continuar sempre em direção à luz Divina, sem deixar-se incomodar pelos momentos de angústia.
Na alma do homem está a alma do mundo, o silêncio da sabedoria. Enquanto pedalamos em direção à nossa meta, é bom perguntar: “O que há de bonito no dia de hoje?” O sol pode estar brilhando, mas se a chuva estiver caindo, é importante lembrar-se que isso também significa que as nuvens negras em breve terão se dissolvido. As nuvens se dissolvem, o sol permanece o mesmo, e não passa nunca – nos momentos de solidão, é importante lembrar-se disso
Uma linda prece do mestre sufi Dhu ‘l – Nun (egípcio, falecido em 861 AD) resume bem a atitude positiva necessária nestes momentos:
“Ó Deus, quando presto atenção nas vozes dos animais, no ruído das árvores, no murmúrio das águas, no gorjeio dos pássaros, no zunido do vento ou no estrondo do trovão, percebo neles um testemunho a Tua unidade; sinto que Tu és o supremo poder, a onisciência, a suprema sabedoria, a suprema justiça.
“Ó Deus, reconheço-Te nas provas que estou passando. Permite ò Deus, que Tua satisfação seja a minha satisfação. Que eu seja a Tua alegria, aquela alegria que um Pai sente por um filho. E que eu me lembre de Ti com tranqüilidade e determinação, mesmo quando fica difícil dizer que Te amo.”

Paulo Coelho.
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