domingo, 14 de março de 2010

O unobtainium é nosso



O crítico de cinema da revista The New Yorker David Denby flagrou duas das ironias de Avatar. O filme é, ao mesmo tempo, contra a tecnologia – máquinas de guerra supersofisticadas são derrotadas por arcos e flechas com a ajuda espiritual da Natureza – e o mais empolgante exemplo de tecnologia avançada que já se viu no cinema. E é um filme abertamente, panfletariamente anti-imperialista que está batendo recordes de renda onde quer que o império do cinema americano alcançou, em muitos casos tendo liquidado culturas locais. Como disse o diretor James Cameron aos seus pares quando recebeu o Globo de Ouro por Avatar: “Gente, nosso trabalho não é o melhor trabalho do mundo?” É um trabalho à prova de contradições.

Cameron confia tanto no poder embasbacador do seu filme que não se dá o trabalho de entrar em detalhes. Nunca se fica sabendo o que os habitantes de Pandora e os avatares respiram através daqueles narizes achatados, já que oxigênio não é. E nunca fica claro por que o tal mineral “unobtainium” é tão importante para os invasores terrenos, a ponto de justificar o massacre dos nativos. Como o mineral não é identificado, fica-se autorizado a substituir “unobtainium” por “petróleo” para reforçar a analogia anti-imperialista. E para não haver dúvidas, no filme há uma rápida referência a outra invasão americana quando alguém comparara a tática que será usada contra a resistência nativa ao choque e espanto, “shock and awe”, nome dado as primeiras operações no Iraque. Os vilões do filme não são exatamente as forças armadas americanas, são mercenários pagos por empresários predadores para fazer seu trabalho sujo. Os vilões são a estupidez de uns e a ganância dos outros. Vilões conhecidos. Fora a tecnologia sofisticada, diz o filme, o século 23 repete o século 20. Pensando bem, repete todos os séculos de conquistas imperiais desde o 16º.

Jake Sully, o avatar que adere à resistência nativa e acaba liderando-a, é um herói também à antiga. Não falta, na sua exortação ao seu novo povo, o punho levantado e a frase desafiadora: “Esta terra é nossa”. Só faltou, mesmo, dizer: “O unobtainium é nosso!”

O que eu achei do filme? Achei sensacional.

Luis Fernando Verissimo.

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