sábado, 13 de março de 2010

Plantar uma árvore, escrever um livro, ter um filho



"Fulana está muito bem, noiva de um médico!". Era o que eu costumava ouvir as tias falarem quando queriam dizer das realizações das filhas. Namorando firme um "doutor" também era uma variante do mesmo tema que enchia de orgulho as senhoras daquele tempo. Mas isso era antigamente, quando eu era pequena e as pressões sobre a existência feminina e o altar eram imensas, certo? Mais ou menos. Parece-me que as exigências sociais para que as mulheres - e os homens, também - se adequem a padrões generalistas e reducionistas não saiu completamente da pauta.


A coisa começa se você está namorando alguém há algum tempo e as perguntas de quando vai ser o casamento ou se estão pensando em morar juntos se tornam inevitáveis nas reuniões de família. Caso venham a se casar, no Natal seguinte você ouvirá algumas piadinhas e também perguntas diretas acerca de para quando você está planejando engravidar. Não espere demais, lhe dizem, de forma bem-intencionada. Ok, você se casou, tem um filho e pensa que não há mais nenhuma exigência pública nessa área. Talvez reclamem que você ainda não plantou uma árvore ou escreveu um livro. Mas aí começa a pressão pelo segundo filho. "Só vão ter esse?!" as pessoas perguntam espantadas e lhe contam histórias terríveis sobre solidão e velhice. É possível que alguém puxe a arenga da necessidade de ter uma menina, para que essa ampare os pais idosos. Quando ouço isso me pergunto se as obrigações femininas já vêm tatuadas invisivelmente na nossa pele quando nascemos e também por que não conseguimos (será mesmo?) criar filhos homens suficientemente íntimos e empáticos para com suas famílias.


Uma amiga que aparentemente teria completado o checklist da felicidade familiar aos olhos dos outros - isto é, casamento e dois filhos, um menino e uma menina - uma vez me disse que ainda lhe exigem mais um acréscimo familiar: um cachorro. Ou seja, se não estiver idêntica a propaganda do banco tal, nossa foto ainda não está boa! Esse tipo de pressão é muito chata, para usar um adjetivo suave, porque, definitivamente, ainda há muitas mulheres e homens respondendo a ela. E, na vida real, existem mulheres que acalantam a ideia de ter um companheiro de vida, mas não querem, necessariamente, se casar. E muitos casais não querem ter filhos, o que é perfeitamente normal, pois existem muitas vantagens em não tê-los, e tê-los, sem querê-los, é de uma irresponsabilidade que beira a crueldade. Isso vale também para os cachorros.


Não existe receita de felicidade do tipo tamanho único: uma peça veste a todos os corpos. Existe, isso sim, muitas revistas femininas com receitas de onde encontrar a felicidade e um mito de família perfeita que perpassa o imaginário coletivo. Esse mito é particularmente danoso para as mulheres porque nele somos mães de família inigualáveis, profissionais bem sucedidas, amantes ardorosas, bem vestidas, bem penteadas, corpos esculpidos, posamos ao lado de filhos e marido sorridentes e enormes cachorros que nem cabem nos apartamentos modernos.


Click. É só uma imagem. Quando se apaga o flash cada um sai para um lado. Talvez a mulher more sozinha e vá para a balada com as amigas. Talvez ele seja casado e não queira ter filhos, prefira a liberdade de viajar para lugares distantes sempre que possível. As crianças talvez morem com os avós, ou com a nova família do pai e o cachorro possivelmente volte para o canil de seu criador, que o aluga para peças publicitárias. E não necessariamente essas são cenas de infelicidade, incompletude e solidão. Deve haver tantas possibilidades de viver bem quanto existam pessoas na face da terra. Que cada um possa construir a sua, inclusive sem culpa por não plantar uma árvore em tempos ecologicamente corretos e sem se sentir ignorante por não escrever um livro.

Por Maria Lucia Bandeira Vargas.

3 comentários:

  1. VC esta certissimo amigo concordo
    as pessoas pré determinam em suas mentes
    a cena de uma vida feliz e quando a quela cena
    não se concretiza elas ficam profundamente frustradas e acham que não nasceram pra ser feliz.
    mas a verdade é que a vida não é um contos de fadas nem uma cena de novela,emprevistos aconecem,fatalidades,perdas em fim...
    acho que as pessoas não estão preparadas para serem felizes no mundo real,pois o mundo real é totalmente diferente do sonho que elas idealizaram em suas mentes
    por isso elas acham que não são felizes.

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  2. Esses tipos de pressões só servem para uma coisa: para nos fazer nos sentirmos incompletos.]

    A impressão que tudo isso passa, é que se não seguirmos conforme "a regra" não seremos felizes.

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  3. Essa questão de exigências sociais é dose: é um desafio saber lidar com elas e ser a si mesmo...

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