quinta-feira, 25 de março de 2010

CONCORRÊNCIA PASCAL



Aproxima-se o final do convênio dos coelhos para animal símbolo da Páscoa. O Criador dá sinais de que pode não fazer outra renovação automática. Com tais rumores, os exemplares do Diário Oficial se esgotam rapidinho. E, de acordo com o Edital, para participar dessa concorrência animalesca é preciso cumprir uma exigência prévia: não estar em vias de extinção – sabe como é, os contratos com o Senhor são longos. Cumprida a premissa, basta à espécie encaminhar um envelope com breve arrazoado defendendo os motivos para ser, dali em diante, a nova alegoria de fertilidade. Tive acesso a algumas propostas. Revelo com exclusividade.

Ratos de Páscoa.

Nós, ratos, pleiteamos o cargo de animal símbolo da Páscoa por sermos tão ou mais férteis do que os coelhos. Além do mais, somos mais numerosos. Muitos de nós prestam relevantes serviços à ciência (ratos tão brancos quanto os tradicionais coelhinhos). Com adequado trabalho de marketing, revertemos fácil qualquer imagem negativa – vide os cases do Topo Gigio, Stuart Little, Ratatui e, claro, do Mickey. Periodicamente, podemos promover a integração Ocidente/Oriente via Ano do Rato do calendário chinês. Por fim, temos o apoio de grupos econômicos de peso (Disney) e somos mais onipresentes do que MacDonald's.

Galinhas de Páscoa.

Nós, galinhas, nos candidatamos ao cargo de animal símbolo da Páscoa por atender plenamente o critério da fertilidade. A proximidade com o homem e a continuidade da espécie são garantidas por larga criação em cativeiro. Além do mais, nosso macho, o galo, já participa ativamente da vida cristã, tendo uma importante missa batizada com seu nome. O primo peru, só para ficar nas motivações familiares, representa com dignidade a classe das penosas no Natal. A pomba, na celebração da paz. Porém, o maior diferencial de nossa oferta é a extinção do dilema dos pais em época pascal: explicar o porquê do coelho se ele não põe ovos.

Formigas de Páscoa.

Nós, formigas sindicalizadas, reivindicamos o direito de galgarmos o posto de verdadeiro e único animal símbolo da Páscoa (tema de Ação Trabalhista em curso). Afinal, desde o começo da tradição de se oferecer presentes de origem alimentícia, mui especialmente chocolate, já fazemos parte da festa de modo informal e clandestino. E somos vítimas de perseguição e morticínio nessa jornada. Denunciamos, também, que os coelhos ganham sem trabalhar: a criança chega no ninho e nunca, jamais encontra um só roedor. Mas, se vacilar, lá estaremos nós, as diligentes formigas. Centenas de nós. Milhares! Logo, sobre fertilidade, nem precisamos falar.

Bicho-Preguiça de Páscoa.

Sabemos que fertilidade não é o nosso forte. Tampouco botamos ovos. Somos encontrados somente em florestas tropicais. Não temos nenhum elo com o Cristianismo além do fato de sermos filhos de Deus (e até Ele duvida). Por nós, ficávamos aqui bem quietinhos, cuidando para não sumir do mapa junto com o as matas nativas. Mas existe um lobby de pais para que nos candidatemos ao cargo de animal símbolo da Páscoa. Motivo: quando a data se avizinha, as crianças surtam, o comércio enlouquece, a imprensa exagera, a Igreja diz que nada disso tem valor sem Cristo no coração e eles, os pais, são tomados por uma súbita, fértil e imorredoura preguiça...

Rubem Penz.

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Um comentário:

  1. O melhor mesmo seria a bactéria de páscoa. Ele se multiplica muito mais rapidamente que os outros candidatos da fauna sendo um ótimo símbolo da fertilidade. Além disso, seus esporos são esféricos ou ovóides o que facilita explicar o fato deles não botarem ovos. Além disso, esporos de chocolate poderiam ser comercializados até em tamanhos microscópicos, sem parecerem anti-naturais. Um ótimo produto para as classes C e D.

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