quarta-feira, 17 de março de 2010

Vão-se os dedos, ficam os anéis!



Vendi minha biblioteca. “Passei nos cobres”, como diria vovó, minha nada robusta coleção de livros, que ao longo de mais de 40 anos foi sendo constituída. Em algumas centenas de volumes, estavam as palavras e as imagens que, junto com o sacolejar da vida cotidiana e as lições dos meus pais e mestres, me fizeram o que eu sou.
O fato, que visto de longe e com a isenção dos indiferentes, poderia ser banal se não fosse chato, me abalou bastante. E em meu socorro vieram vários amigos. Uns com aquelas consolações ineficazes de que em tempos de internet, e-books e downloads, os livros são quase desnecessários. Outros mais eficientes, como Neilton Gomes, um baixinho cuja estatura moral supera a de muitos gigantes que figuravam em minhas estantes, me deram outros livros, como quem dá flores ao enfermo que teve a perna amputada.
Ao contrário de um colega de trabalho, não acredito que as idéias é que movem o mundo. As idéias são como as lâmpadas que iluminam caminhos. Ineficazes sem que alguém as torne concretas. As idéias e os projetos, sem quem os executem, são flatulências intelectuais.
Delas e das boas intenções estão cheios o inferno, o purgatório e o planeta Terra. Até mesmo a divindade, se restrita a uma idéia, se torna um ídolo se tornado ação e concretude se revela Deus. A idéia, sem quem as execute, são como os ventos em alto mar: inúteis, destrutivos até quando não há velas e, principalmente, velejadores para fazer do vento velocidade, viagem, comunicação.
Respeito os ideólogos, mas apenas enquanto ideólogos. Que seria do projeto magnífico de Niemeyer sem os candangos para torná-lo pronto? Quem olha e vê apenas a beleza da obra sem reconhecer a fundamental participação do obreiro, finge se encantar quando está apenas abobado diante do grande. Idéia sem cabeças, braços e corações que as realizem são arrotos de uma mente intestinal abarrotada de imaginação e paranóia, como o estômago dos néscios nas tardes de sábados.
Por isso amava minha biblioteca. Porque os gênios que nela figuravam, mesmo tidos por muitos apenas como mentes férteis de idéias, celeiros de inventividade, eram mestres que ensinavam, como Cristo, que a fé sem a obra concreta é superstição, que a palavra sem o exemplo é blasfêmia e que o discurso sem uma atitude coerente é bazófia, pura e simples. Com meus livros, foram para os sebos a raiz, o caule e as folhas, mas ficaram os frutos e sementes que vivo tentando degustar e fazer germinar.

por Ton Alves.


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4 comentários:

  1. Bonito texto.

    Tenho essa relação de amor com meus livros, acredito que por mais que leia e-books, jamais conseguirei me livrar do prazer de folhear um livro.

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  2. Belo texto amigo, porém jamais terei coragem de me desfazer dos meus livros.

    Um abraço e boas leituras!!!

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  3. Amigo William, os livros são parte da nossa vida e da nossa história, e eu não costumo me desfazer de nenhum deles, que encontram-se bem arrumadinhos e organizados. Abraços. Roniel.

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