terça-feira, 23 de março de 2010

A função dos impostos




Há uma disfunção no modo como a questão tributária tem sido tratada no Brasil que tem contribuído para tornar a estrutura de impostos cada vez mais complexa e também para a paralisia do processo de instituição de um novo modelo tributário para o País. Essa anormalidade refere-se à tendência dos tributos serem vistos como instrumento para o atendimento de inúmeros desejos da sociedade.


Visões românticas enxergam nos tributos a expressão do espírito cívico do cidadão. Humanitários passaram a acreditar que a única forma de distribuir renda e riqueza é através da tributação punitiva dos mais eficientes. Economistas e líderes políticos buscam nos impostos, ou na isenção deles, o caminho principal para estimular o desenvolvimento. Ecologistas e sanitaristas usam o sistema como forma de proteção ao meio ambiente e de punição aos infratores. Planejadores urbanos e regionais utilizam-no como mecanismo de indução para o controle espacial das atividades econômicas. Defensores da reforma agrária querem a tributação corretiva dos latifundiários. Os exportadores querem câmbio competitivo pela cobrança de tributos dos investidores externos e assim por diante.


Em suma, todos procuram no sistema tributário a solução para seus problemas. Em 2001, o então secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, afirmou: “Isso serve apenas para demonstrar que o debate sobre matéria tributária pode tomar rumos imprevisíveis, ditados por razões fortuitas ou motivos insondáveis.”
No artigo “Impostos e paradoxos”, publicado na Folha de S.Paulo em 28/4/98, o professor da Universidade de Harvard, Mangabeira Unger, abrange a necessidade de se resgatar a função fiscal do sistema tributário, afirmando que a visão acadêmica desdobra-se em meio a “ilusões edificantes e tranqüilizadoras”, mas “o mundo é selvagem e obscuro”. O autor afirma que mesmo impostos indiretos, e porque não cumulativos, podem “gerar muito dinheiro com pouco desarranjo econômico” e que o essencial é gerar “dinheiro para o Estado investir no social”.
A ênfase na extra-fiscalidade dos tributos, ainda que legítima, vem se sobrepondo aos objetivos fiscais, tornando o sistema tributário brasileiro pouco funcional em sua função essencial que é a de arrecadar recursos para financiar o Estado. Além disso, enxergar nos impostos o meio de satisfazer metas que não sejam prioritariamente a geração de receita pública cria uma estrutura tributária de elevado custo, ineficiente, corrupta e indutora das mais variadas formas de evasão.
É necessário resgatar a função arrecadatória dos impostos. É um ponto de partida para a necessária simplificação do sistema e que poderia destravar o processo de reforma tributária no país. Os demais objetivos do Estado podem ser atingidos através de outros meios à disposição dos formuladores de política econômica, tais como subsídios, transferências diretas, punições pecuniárias, compras governamentais, regulação e até mesmo intervenções diretas.


Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas (www.marcoscintra.org).

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