sábado, 12 de fevereiro de 2011

O telefonema que me transportou para o ano 2058


"Quem se interessa pela previsão meteorológica daqui a 50 anos?" - a pergunta assim de chofre, no meio de um telefonema-desabafo de uma leitora me deixou alguns segundos sem ação. Do outro lado, a voz que se manteve anônima no telefone, embora a primeira pergunta tenha sido: "Você é o quê?", me fez pensar que sou minoria.

"Eu me interesso", respondi tímida e pela primeira vez discordando da voz que falava. "Eu me interesso por resultados imediatos, por dinheiro na minha conta", ela retruca.


Eu também me interesso em pagar as contas, poder comprar coisas e ter onde morar, penso. Mas também gosto de ver borboletas, pôr-de-sóis e cachoeiras. Gosto de dormir de cobertor no inverno e usar chinelos no verão, de esperar pelo tempo de morangos no frio e uvas no Natal. E não é porque tenho filhos, decido.


Percebi naquele telefonema que minha ingenuidade na meia idade só perde para o meu idealismo juvenil. Acho que perdi a inocência, enfim.


Que madeireiros, usineiros e criadores de gado não se preocupem com o clima daqui a 50 anos eu entendo. Que atravessemos séculos oscilando entre amar e comer outros animais, usar a pele de alguns deles em volta do pescoço, também entendo.


Que em tempos de seca, ignorantes coloquem fogo na mata, eu entendo.


Que contrabandistas e traficantes não se importem com a vida alheia eu entendo.


Mas sempre pensei que eles é que fossem minoria. Pensei que como eu, a maioria das pessoas não pensassem apenas em seus próprios umbigos, e apesar de viverem no presente, projetassem seus sonhos para o futuro.


Ao desligar o telefone, sem entender direito o que a voz queria, me vi em 2058, sentada sob uma árvore, lendo um livro, tomando água ao lado de um cão. E desejei do fundo do coração que se não puder viver este momento, que viva-o então o gato, o livro, a árvore e a água.


Estela Casagrande.

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Um comentário:

  1. Um conhecido meu falou que comentar textos bons é muito difícil.
    Concordo com ele.
    A gente lê...Pensa e não tem o que falar.

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