domingo, 13 de fevereiro de 2011

Sorria! Você está sendo filmado - Jorge de Lima



Sou do tempo em que, para tirar fotografia, um dia antes ia ao barbeiro, separava uma bela roupa, escolhia a locação da fotografia e ainda tinha um pouco de receio: será que meu espírito não vai ficar preso na foto? O tempo de espera até a revelação dava à fotografia um charme especial.

Como ficou? Saí bonito? Será que pisquei na hora do clique? Muitos instantes se perderam, muitos olhos saíam vermelhos pelo problema com o flash. E quantos sorrisos amarelos ficaram para a posteridade? Lembro que era criança quando apareceu a primeira máquina fotográfica colorida instantânea, lá pelos idos de 1972. Era fascinante. Mágico. Você passou por isso?

Na época, a representação da vida tinha essa magia de tentar aprisionar fragmentos da existência em imagens. Fotos eram histórias da vida cotidiana. Ali poderia ver uma existência inteira, como em slides. Quem sou? De onde vim? Para onde vou? Tudo ali, filosoficamente concreto pelo novo modismo social que invadia os lares na década de 1970. Um plebeu fazia história, virava importante, bacana, existia por que era retratado. E quanto maior seu álbum, maior sua fidalguia. Quanto mais imagens possuía, maior sua capacidade financeira e social. E das fotos fomos ao videocassete, DVD, microcomputador, tudo acompanhando o mesmo sentido. Você só existe se sua imagem for aprisionada. Só presta se sua imagem circular nos meandros da “visibilidade”. Mostre sua cara, bunda ou outro atributo qualquer. Vale pagar mico, aparecer bêbado, posar de corno. Não importa o conteúdo – a regra é aparecer. Se você não aparecer , não existe.

Decifra-me ou devoro-te: como diferenciar o público do privado? Este enigma é o grande calcanhar de Achiles da maior parte das pessoas que engendra uma série de crises psicopatológicas e afetivas, derivadas da necessidade de visibilidade. Como se portar em diferentes lugares? Qual papel social usar em ocasiões distintas? Ao mesmo tempo em que a mídia e a alta tecnologia nos deram uma sensação de onipresença, nos tolheram do senso restrito da percepção do ideal para nossas vidas.

Vemos tudo, enxergamos todos os lugares e, ao mesmo tempo, não sabemos mais como viver adequadamente em sociedade. Banheiros e intimidade são gravados ao escatológico. Nova arte? Invasão de privacidade? Democratização fecal? Vale tudo para se ter um minuto de registro, 30 segundos de glória. Você, leitor, existe? Tem certeza disso?
Por outro lado, o poder coercitivo, o patrulhamento, o moralismo de cunho fundamentalista tem se ampliado em conjunto com a persecutoriedade. A “visibilidade” torna-se, com facilidade, um belo instrumento de fiscalização ideológica, política e moral, especialmente após a criação de documentos palpáveis, “as prisões da alma”. Lembrei de um colégio católico em que estudei onde havia, dentro de um triângulo, a imagem de um olho. Uma freira me disse que era a representação do “olho de Deus”, que tudo enxergava e por isto nós, pecadores, tínhamos de tomar cuidado. E o “olho” apareceu!

Atualmente, não queremos mais apenas uma foto: queremos um longa metragem com a trilha sonora feita pelo U2, encenado por Harrison Ford e Angelina Jolie. E que esta onipotência encene o nada que fizemos pela vida!


Por Jorge de Lima.

2 comentários:

  1. Eu não sou exatamente desse tempo, mas sou do tempo das fotos de filme. Quando eu ia tirar foto 3x4 era numa sala relativamente escura com um cara atrás de uma máquina com um pano sobre ele, e eu só pudia ficar sabendo como tinha me saído uma hora ou duas depois. Nunca mais tinha ido precisado tirar, mas tem um 2 meses que tirei pra a carteira de trabalho e um cara qualquer simplesmente pegou uma camera digital, me colocou em frente a uma parede branca e tirou a foto, simples assim. Ah, e eu pude refazer várias vezes. O problema dessa facilidade das fotos é como é fácil perdê-las também. Sem os filmes o mais comum é que guardemos as fotos no computador sem revelá-las, quando o computador pifa, queima, pega vírus, perdemos todas as memórias.

    Parabéns pelo blog!
    Se quiser fazer uma visita:http://nexosereflexos.blogspot.com/
    Espero que goste!

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