sábado, 29 de janeiro de 2011

Saúde do espírito



A ideologia materialista incita o homem a não abdicar de sua mais importante prerrogativa: o seu livre-arbítrio. O direito de agir segundo a sua vontade. Até aí, tudo bem, mas o afasta da responsabilidade quanto às conseqüências de seus atos, liberando-o de responder pela situação difícil que gera. Prega que se deve levar a vida segundo a lei do prazer, doa a quem doer. Isenta-o do compromisso e da responsabilidade para consigo mesmo. Com liberdade para plantar, esquece que a colheita será obrigatória.
O resultado das escolhas não deixa dúvidas. Implica em redenção ou em condenação.
Através dos tempos, vivencia o homem a luta pela sua segurança. Segurança ligada, única e exclusivamente, à vida material. Sob esta ótica, busca por mais expansão territorial. Mais poderio financeiro. Se impõe ou é deposto. Cria doutrinas extravagantes que o desvencilham da eternidade da vida. Usufrutuário das ilusões, não atenta para a necessidade de controlar seus pensamentos, palavras e ações. Desconectado de sua própria realidade, faz crescer o número de incrédulos, sem esperança na vida espiritual. De modo incoerente, busca com avidez aquisições materiais. Prejudica a própria saúde. Metade da vida desgasta-se, amealhando e construindo tesouros que o tempo desfaz. Outra metade busca recuperar o tempo perdido na dança dos teres e poderes. Não há satisfação. Há vazio existencial. Incerteza. Apego. Medo de perder. Total dependência dos teres. Cultiva o nada. Mas nada quer deixar para trás.
A arte de bem viver, pautada nas referências hedonistas – na busca do prazer –, pode ter referências mais sólidas e profundas.
Aristipo de Cirene (435-335 a.c) é considerado o fundador do hedonismo filosófico. Hedonismo vem do grego hedonê, que pode significar prazer do corpo ou do espírito, vontade. Trata-se de uma teoria ou doutrina filosófico-moral da Grécia antiga.
Para Aristipo, havia dois estados da alma humana: o prazer e a dor. O prazer era considerado movimento suave da alma. A dor, por sua vez, era interpretada como movimento áspero da alma. Nesta visão, o único caminho para a felicidade estribava-se na diminuição da dor. E o prazer corpóreo constituía o próprio sentido da vida.
Entre a dor e o prazer surgiu o pensamento de Epicuro (341 – 270 a.c). Ele modificou a teoria hedonista, considerando que o caminho da felicidade não é tão somente a busca do prazer dos sentidos, mas a libertação do sofrimento, da agitação e da dor. No grego de Epicuro, hedonê faz-se equivalente a makariótes: bem-aventurança, a felicidade espiritual. Neste aspecto, ficou de fora a busca desenfreada de bens e prazeres corporais. O foco: a busca da serenidade, da prudência, do equilíbrio. Entre o ter e o ser, o ser foi considerado prioridade. Assim, o prazer, para ser um bem, precisa de moderação.
Em sua Carta a felicidade, Epicuro afirma a Meneceu que o prazer que o homem deve buscar não é a satisfação física imediata. O prazer que deve nortear a conduta humana é destituído de perturbação e dor. Esta conquista se solidifica à medida em que o ser humano, pelo autodomínio, busca a autossuficiência. Faça-se feliz e sereno. Conte consigo e suas circunstâncias. Suas sugestões, embora o contra senso de sua visão niilista, incentiva o autoconhecimento. Ao propor responsabilidade e independência, Epicuro faz-se propagador da grande necessidade humana: o cultivo da saúde do espírito.


Elzi Nascimento e Elzita Melo Quinta.

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Um comentário:

  1. In Wikipedia:

    "A idéia que Epicuro tinha, era que para ser feliz o homem necessitava de três coisas: Liberdade, Amizade e Tempo para filosofar."

    O que acontece é que este senhor viveu no século IV a.C, quase contemporâneo de Aristipo de Cirene e de Sócrates.

    Tudo o que Aristipo escreveu, nada restou; nem mesmo fragmentos. Tudo o que se conhece da reflexão filosófica de Aristipo decorre do comentário de terceiros.

    Ora, na altura todas estas reflexões deveriam fazer todo o sentido... não faltava tempo para filosofar!

    E hoje? Como ganhamos esse tempo e ao mesmo tempo ganhamos nosso pão?

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