Aos homens que se acham homens

Imaginem por quantas sensações de tristeza e alegria passamos? Numa simples reflexão, sem critérios e levados pela emoção das boas imagens veiculadas pelo meio de comunicação, acabamos criando alguns “deuses”, ou simples diabos dos desejos mascarados pela história de cada um. Ainda somos vítimas dos sistemas? Vejamos: o poder pode ser uma arma do mal e do bem. Quando algumas figuras sobem ao poder, às vezes, passam a se sentir “reis”, altera o seu comportamento, a sua visão sobre os demais será superior; de cima para baixo. Tudo deverá circular em sua função de “majestade”. Parece que o ar tem as marcas da loucura “narcísica”. O povo, frutos da ignorância e do analfabetismo político, contribuinte impositivo, é o único sustentador das mordomias que estarão submetidos à sua servidão voluntária.
Nesta visão, devemos buscarmos ao seu contraponto a palavra “encontro”, que não é apenas mera proximidade, mas enriquecimento mútuo: repleto de possibilidades, projetos, você tem vontade de compreender-me e eu tenho vontade de compreender você, criando um intercâmbio de liberdade comum. E isso é o encontro. A mentira só destrói o encontro. A veracidade, honestidade, ser sincero é condição para o encontro. Neste conceito, não devemos deixar de citar Sigmund Freud, com seus conteúdos fundamentais, distribuídos no ego, superego e id: “o ego, a maneira de agir na vida nos seus relacionamentos com o meio ambiente, determinando os princípios da realidade, estabelecendo a linha-limite entre a personalidade e o mundo; o superego, os desejos inconscientes; o id, seus desejos sexuais recalcados e traumatizados”. Os conteúdos em constante dinâmica com o mundo ambiente estabelecem as formas de comportamento observável. Ao “encontro”, deve se compartilhar valores elevados. Dirigimos rumo a algo valioso. Nesta linha, cito ainda Saint-Exupéry, o autor de O Pequeno Príncipe, em sua obra Terra dos Homens: “Amar não é olhar um para o outro; é olhar juntos na mesma direção.”
Sem olhar juntos na mesma direção, refiro-me como um exemplo contemporâneo aos sujeitos quando estão no poder protegem-se da crítica reforçando pactos de auto-engano com seus colegas de partido. Reforçam a crença de que representam o bem contra o mal, recusam escutar o outro que lhe faz crítica e que poderia norteá-lo para corrigir seus erros e ajudar a superar suas contradições. Se entrincheirar no grupo narcísico, o discurso político tornar-se-á dogmático, duro, tapado e podemos até prever qual será o seu futuro se tomar o caminho de também eliminar os divergentes internos e fazer mais ações de governo contra o povo “em nome do povo”. Neste mundão de meu Deus, travei e travo muitas batalhas em defesa da sociedade. Enfrentei ameaças verbais, os canos de revolveres apontados em minha direção, denunciei indivíduos mascarados em forma de autoridade, protegidos pelo poder legalizado nas suas ações ilegalizadas. Não tive medo e não tenho medo, aliás, em conversa amistosa com o meu amigo e irmão, ficou-me gravada a seguinte frase deste mestre: “Não precisamos ter medo, sempre diremos a verdade, pois a nossa morte física, com certeza, está no nosso destino”. Com isto, as vezes, tenho a sensação de que o mal prevalece sobre o bem. Vejamos: deparamos com os critérios de escolhas, por exemplo, uma rede de saúde – os pacientes serão atendidos conforme a sua gravidade de enfermidade; grau de subjetividade dos recursos públicos disponíveis. É justo ou injusto? Os seres humanos viram apenas estatística do sistema. Ainda neste contexto, ao emprego de um trabalhador que custeia a sua sobrevivência não é muito diferente deste critério de escolha. Homens de comando em nome da economicracia determinam seus destinos.
Portanto, assim nesta linha, não devemos deixar de conceituar o paradoxo da evolução do si, que, cito, “é a íntima estrutura do sistema do universo”. O grande modelo é Deus, que todos os seres, inclusive o homem, devem seguir. Esse Deus se encontra no centro do sistema. Tudo centralizado em Si, para tudo irradiar de Si, e as criaturas devem existir à Sua imagem e semelhança, isto é, como tantos os outros sois menores que irradiam, quais centros de sistemas menores. E hierarquicamente, cada um, segundo o grau de evolução atingido, cobre a maior ou menor vastidão do sistema relativo ao seu raio de ação. Tal o modelo central, tal a lei do sistema. Certamente, a criatura é livre e pode, pois, agir de modo contrário. Mas esteja bem certa de que é lei também que todo o sistema se volte contra ela para esmagá-la, como a um inimigo. A grande corrente da vida vai contra quem pretende inverter a rota do ser, prejudicando-o. Ela o coloca frente ao dilema: rearmonizar-se com a lei, enquadrando-se de novo nela, ou ser eliminado. E os salutares golpes da dor, ainda que atenuados pelos impulsos do Amor, não serão sustentados enquanto não se tiver conseguido a correção ou destruição. O ser é livre de violar, mas somente em seu dano e não tem nenhum poder para dobrar ou anular as leis da vida. Para reflexão, segundo Frei Betto: “Não te deixes desiludir pelo mundo que te cerca. Saiba que é chamado a transformá-lo”.

Antonio Alencar Filho.

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