domingo, 2 de janeiro de 2011

O que faltou em 2010



O país que sonha com a riqueza do pré-sal ainda tem muito trabalho a fazer para reduzir a níveis aceitáveis os problemas sociais crônicos que permearam o noticiário todos os dias do ano.
A eleição de Dilma Rousseff, o resgate dos mineiros no Chile, a retomada dos morros cariocas, a dita nova explosão industrial brasileira e tantos outros fatos marcantes do ano que terminou - pesquisados criteriosamente pela equipe de repórteres e editores do Cruzeiro do Sul e reunidos - comportam muitas leituras e, assim como tudo o que é história, passam a constituir desde logo, para quem se proponha a estudá-los, uma fonte de reflexões e aprendizado.
Para o Brasil, particularmente, o conjunto de fatos e ações a partir dos quais se construiu a percepção jornalística e histórica de 2010 se apresenta rico em significados, muitos deles positivos. O país caminhou para se tornar uma potência mundial nos planos econômico e político, mercê de uma feliz conjunção de políticas públicas bem direcionadas e circunstâncias mundiais favoráveis. E o fez na condição de democracia estável e ativa, o que não é pouco para um país que, há poucas décadas, percorria o labirinto da crise econômica e do Estado de exceção.

No entanto, o país que sonha com a riqueza do pré-sal ainda tem muito trabalho a fazer para reduzir a níveis aceitáveis os problemas sociais crônicos que permearam o noticiário todos os dias do ano, fazendo de 2010 um território ocupado pela violência, pela negação de direitos básicos, por desastres evitáveis, pelo avanço das drogas pesadas como o crack.

As grandes conquistas serão sempre ofuscadas enquanto persistam problemas estruturais na saúde, na habitação, no transporte, enquanto faltem creches e sobrem bocas de tráfico na periferia.

A festa brasileira não será completa, principalmente, enquanto o Brasil não priorizar a educação em seu sentido mais profundo, como ferramenta transformadora da própria sociedade e a única capaz de interferir qualitativamente em todos os processos, nas muitas dimensões -familiar, social, política - da vida social. A falta de instrução (não confundir com escolaridade) está presente, como fator ativo, em praticamente todos os grandes problemas brasileiros, a começar pela baixa qualidade da atividade política, derivada de escolhas erradas de eleitores iludidos e desinformados.

Por sinal, a educação, nesse sentido amplo - assim como sua ausência, que não deixa de ser uma ênfase à sua importância -, é uma determinante em todos os fatos marcantes do ano que termina. O conhecimento científico que permitiu aos mineiros escapar a uma morte terrível no fundo da terra é uma expressão viva do mesmo desenvolvimento intelectual que alavancou o crescimento de algumas cidades no campo automotivo e proporcionou, ao governo Lula, as soluções políticas e econômicas responsáveis (em parte, ao menos) pela vitória de Dilma.

Se o Brasil ruma para ser uma potência econômica, é imprescindível que escolha desde logo que tipo de potência deseja ser. Há potências mundiais em que a população, embora materialmente abastada, vive uma inacreditável miséria intelectual, incapaz de encontrar prazer em coisas sutis, de fruir a beleza da criação artística, de aproveitar os espaços públicos para atividades saudáveis - incapaz até mesmo de cuidar do próprio corpo, já que não sabe sequer se alimentar corretamente, bebe em excesso e se entope de drogas e remédios.

Soma-se a isso que boas fases econômicas vêm e vão. A economia global é, hoje, um grande castelo de cartas, em que todos são afetados e muitos acabam caindo, pelo simples fato de que um país do outro lado do mundo entrou em dificuldades. Um país sem uma educação digna do nome dependerá eternamente das conjunturas interna e externa, dos recursos naturais e de fatores múltiplos - muitos deles inteiramente imprevisíveis - para ser o que sonha ser. Com educação, é o povo a grande riqueza. Uma riqueza inesgotável, que pode trazer muitos anos bons.


Fonte: Jornal Cruzeiro do Sul.

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