quarta-feira, 28 de abril de 2010
Entre duas virtudes
primeira vista, quando o assunto é fidelidade, a palavra nos apresenta como um sinônimo de lealdade, mas o uso na vida prática e as reflexões mais profundas evidenciam algumas diferenças entre ser fiel e ser leal. À fidelidade costumamos atribuir sentimentos, mais do que princípios, está mais ligada à cultura. Ser fiel então é um atributo da pessoa que não trai alguém ou um princípio. Ser leal, no entanto, parece ser um compromisso que se assume consigo mesmo, ou com uma situação. Há um pacto prévio. É bem verdade que a linha que separa os dois conceitos é muito tênue, mas é possível, por exemplo, a um casal, ser infiel e, entretanto, continuar sendo leal ao casamento. É porque, por motivos que não fazem parte desta discussão, foi acordado entre eles que a infidelidade seria permitida, por isso se diz que a fidelidade é cultural. A fidelidade requer renúncia, a lealdade exige verdade, autenticidade. Mas quando, selado o acordo entre as partes, qualquer ruptura é considerada uma infidelidade. Também da observação do cotidiano se depreende que a fidelidade é mais usada nas relações afetivas e religiosas, enquanto à lealdade se prende mais aos princípios e é mais usada para selar os compromissos pessoais ou institucionais, políticos e empresariais.
Sinônimos ou complementares, as duas palavras (e conceitos) norteiam-se por princípios éticos e morais e têm na confiança a sua base estrutural. É a segurança da sinceridade que depositamos em alguém. Partindo do princípio que ninguém vive apenas no ápice é que arrisco a escrever sobre virtudes, uma perpétua ferida em nosso egoísmo e que nos remete, vivamente, à nossa mediocridade. A virtude é um ponto que se situa entre dois vícios, assim, a dignidade está entre a complacência e o egoísmo, a doçura está entre a cólera e a apatia. Enfim, escrever é o primeiro passo, o resto é para ser vivido.
Como sempre, a Bíblia traz histórias exemplares, entre elas, cito a de José na casa de Potifar (Gênesis, 39). Potifar encarregou José de tudo que tinha em casa e não lhe pedia contas de nada, no entanto, a mulher de Potifar queria se deitar com José e, diante da recusa dele, acusa-o de tentar seduzi-la. Ninguém discute o fato de que a mulher estava sendo infiel, mesmo não conseguindo concretizar sua ação. José mostrou ser um servo fiel a Deus e leal a Potifar: “Como pois faria eu este tamanho mal, e pecaria contra Deus?” Acontece que Potifar era um marido leal e acreditando na calúnia da mulher mandou prender José. Mais do que tudo, esta passagem bíblica evidencia que a virtude, por si só, não é garantia de uma ação correta. A justiça, neste caso, exigiria muito mais que a boa intenção. É preciso sabedoria para distinguir o correto e ter a vontade de fazê-lo. A lealdade, portanto, se distingue pela marca da constância, da solidez dos elos com as pessoas, grupos, instituições e ideais a que nos associamos deliberadamente.
Fidelidade ou lealdade, como conceitos, são mais próximos que se possa pensar. Há, no mínimo, três ângulos a serem analisados: o pensamento, a moral e os relacionamentos. O pensamento é um domínio estritamente particular e, como advertia Sartre, “não se deve confundir o pensamento com o borboletear das ideias”. O pensamento só é um pensamento pela fidelidade/lealdade às suas leis, às suas exigências e à própria contradição que assume e supera. Então, até para pensar, fidelidade ou lealdade são virtudes e se subordinam aos princípios morais, como é entendido por Kant: moral é universal, atemporal, absoluta, incondicional. A despeito de suas significações históricas e da variedade de conotações atribuídas, a verdade orbita entre elas.
Para concluir, entende-se que uma pessoa fiel/leal é aquela que sabe agir com atenção e seriedade com o seu relacionamento, seja ele individual, coletivo ou institucional, e isto implica em verdade. A verdade que só a si própria julga e que Francis Bacon ensina que é o amor e o carinho pelo conhecimento dela. Saindo da verdade filosófica e teológica e pegando a rota dos empreendimentos civis, reconhecemos, mesmo entre os que não praticam a verdade, que não há honra maior para a nossa natureza humana. Para concluir, trago o pensamento de Montaigne, que, atribuindo justos pesos e medidas, afirma que o homem que mente é corajoso diante de Deus e covarde diante dos homens, uma vez que afronta Deus e subtrai-se diante dos homens.
Kleber Adorno.
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Postado por
William Junior
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22:57
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Um otimo texto, lembra uma enquete que fizeram para saber se o publico era leal ou fiel na sua vida pessoal? De fato e uma questao bem complexa, pela procimidade das duas coisas.
ResponderExcluirEu acho que eu sou fiel aos meus principios, e quando estou com alguem procuro alem disso ser leal.Mas e bem complexo, excelente texto.
Como você bem disse, vai depender do pacto que o casal fizer. Não existe lealdade de mão única. Infelizmente muitas pessoas acham que sim, que se pode ser infiel e leal ao mesmo tempo, por meios de regras formuladas individualmente e em proveitos próprios.
ResponderExcluirSaudações!
O Que me trouxe a reflexão do texto foi a fidelidade de José para com os mandamentos de DEUS tendo em vista que naquela época ainda não existia Biblia e nem outro livro da lei, pois o fato aconteceu antes de Moises, o que José sabia era tudo ensinamento do seu velho pai Jacó.
ResponderExcluirparabéns pela postagem
abraços MARIVAN