quinta-feira, 22 de abril de 2010

Carta aberta aos presos



Senhores presos: confesso não estar nem um pouco constrangido em me dirigir à comunidade carcerária, pois todos nós, de qualquer forma, somos gente do povo; e povo é isso mesmo, temos a obrigação de nos falarmos, de encontrar soluções para os problemas (que nós mesmos criamos), enfim, comunicar. Daí, por estas mal traçadas linhas, me dirigir aos senhores.
Aqui fora da cadeia, as coisas não andam nada bem – acho que seus amigos e familiares devem estar levando-lhes as notícias, quando em visitas levam muitas outras coisas. Perdemos totalmente a segurança. Se é que em alguma época tivemos alguma. Piorou muito mais, em comparação com o tempo em que vocês estavam soltos – mas muito mais. A criminalidade não tem mais uma gota de ética: o pudorzinho que existia foi embora. A vergonha perdeu a vergonha. Levaram tudo às últimas consequências. Vulgarizaram o crime.
Senhores, não queiram sair da cadeia. Abram mão de progressão de pena, indulto ou outra graça qualquer, porque aí está um pouco melhor do que por aqui. Considero apenas um pouco melhor, e não muito melhor, pela inexplicável razão de os presídios serem depósitos de gente, à lá campos de concentração de causar inveja aos de Auschwitz, que desconsideram as naturezas dos delitos e encarceram homicidas, traficantes, estupradores, a turma do colarinho branco, ladrões, sequestradores e demais, todos juntos. Afora essa grosseira afronta à Constituição Federal que motiva o nascimento da universidade do crime (troca de experiências delituosas entre vocês), aí dentro está bem melhor. Quem está solto, vive preso em casa com medo da violência das ruas.
O seu papel social, caro preso, é relevante, o que me leva ao extremo de incomodá-lo para que entre no combate ao crime: o Estado já perdeu a força de prevenir, e, de reprimir, nem se fala. Sabe o que é falência? Pois é. Aqui fora predominam pedofilia, violência contra as crianças e as mulheres; estupradores, que vocês não toleram e abominam (uns são loucos e muitos alegam que são para justificar seus atos), na mais ampla liberdade de ação. A crueldade passou da regra. Se você acha que estou exagerando, pegue o celular - muito comum aí na cela -, e pergunte aos seus familiares se é verdade ou não. Seu pessoal também está na zona de risco.
Ao encerrar, senhores presos, lembro que se por acaso não tomarem as providências de que são capazes, na regeneração dos meliantes; quando saírem vão encontrar um mundo tão ruim, que preferirão voltar para a cadeia. Com muito mais para o momento, minha fé em suas boas e necessárias ações.


Iram Saraiva.

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2 comentários:

  1. Olá meu querido! Como sempre, excelente publicação, com qualidade, pertinência, objetividade. Sou sua leitora e fã!
    Super beijo e parabéns, de verdade por esse post!

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  2. Olha, não sei se concordo totalmente com a carta aos presos, mas concordo que nós, "livres", somos os verdadeiros prisioneiros.
    Não se tem medo da carceragem.
    Quer um exemplo? Se formos a um hospital público e não tiver médico ou remédio, voltaremos pra casa e se possível iremos recorrer a rede privada de saúde. Mas experimente deixar um presídio sem a consulta médica qual tem direito! Experimente deixar o preso sem dentista, se alimento ou sem água. Eles, cientes dos seus direitos, se revoltam e manifestam sua insatisfação com rebelião... enquanto a gente, quando não tem nada disso, o que fazemos? No máximo lamentamos e jogamos a culpa no governo, mas sem fazer qualquer tipo de protesto ou rebelião.
    Essa nossa sociedade é um mistério!!!

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