sábado, 12 de dezembro de 2009

FÁBULA FUTURÍSTICA



O homem parecia ter alcançado a fronteira final: depois de passar décadas aglutinando informações em bancos de dados e, ao mesmo tempo, desenvolvendo formas de armazená-las em espaços físicos cada vez mais exíguos, conseguira um meio de acessar os dados apenas com o pensamento. Funcionava assim: ao arranhar a pele e ali colocar um robô desenvolvido com nanotecnologia, este saberia chegar, por via circulatória, ao cérebro. Ali, e ligado ao conglomerado de bancos de dados do mundo, o nano robô passaria a ser um portal entre o indivíduo e todo o conhecimento acumulado pela humanidade.

Se o portador do robô pensasse: sânscrito, já saberia se comunicar nesse idioma. Pensasse: física quântica, saberia tudo sobre o tema, desde fundamentos até conceitos avançados. Pensasse: lista telefônica, e teria acesso a qualquer número do planeta. Pensasse: Beethoven, já seria capaz de executar qualquer sinfonia do mestre. Pensasse: energia nuclear, e seria capaz de construir de usinas até bombas. Enfim, não importaria mais o tema, pois todo o conhecimento acumulado estaria disponível ao indivíduo, como se ele conhecesse tudo sobre tudo.

Desenvolvida a tecnologia, a primeira providência foi a de controlar sua disseminação. Afinal, conhecimento sempre fora sinônimo de poder. Porém, nem todos pensavam dessa forma. E, depois de se autoinocular um robô, um dos cientistas envolvidos passou a deter todas as informações sobre o projeto, habilitando-se a fazer robôs piratas. Então, em cada um que recebia essa verdadeira maravilha falsificada, nascia o desejo de produzi-la também, tendo lucro com a comercialização. Por fim, em menos de um ano, a inteligência absoluta havia se espalhado em velocidade viral, com quase a totalidade dos homens transformada em verdadeiros gênios.

Chegara, enfim, o tempo da utopia. Ninguém seria mais do que ninguém, nem melhor, nem teria qualquer vantagem. Todos igualados pelo robô. Grego? Falamos todos. Anatomia? Sabemos todos citar cada um de nossos ossos, ou de qualquer animal. Propulsão a jato? Farmacologia? História da arte? Cálculo estrutural? Informática? Direito? Ninguém mais precisava do outro: sabia tudo. E o conhecimento deixou de ser uma marca de diferenciação, de hierarquia, de poder. Do agricultor chinês ao pescador amazonense; do presidente da ONU ao chefe do cartel colombiano; do príncipe árabe à prostituta de alguma ilha do Caribe, para ninguém mais existiam segredos.

Todas as tentativas de frear o processo acabavam abortadas ‒ durante as reuniões, invariavelmente as informações vazavam. As economias entravam em colapso. Todos sabiam tudo, mas ninguém sabia o que fazer, em quem confiar, para quem ceder o comando. A truculência física começou a fazer a diferença. Adultos começaram a matar crianças, homens eliminavam mulheres, maiores assassinavam menores. A luta passou a ser pela água, pelo alimento, pelo teto, pela roupa do corpo. Um homem de quase dois metros de altura matava a todos indistintamente usando uma marreta, enquanto recitava Pirandello ‒ no fundo, era alguém sensível. Até que mísseis nucleares começaram a alçar voo de todo lugar para todo lado.

Infelizmente, a humanidade sucumbiu com a plena, total e absoluta consciência de que nem todo o conhecimento do mundo seria capaz de transformar o homem em um animal racional. E de que a diferença individual é a chave para a igualdade social.
Rubem Penz.

4 comentários:

  1. macabro e realista...muito legal William!

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  2. É brincamos mais acho que estamos próximos disto.
    Abraços forte

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  3. Assustador se pensarmos que caminhamos para um desfecho imprevisível :(

    Abraço

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  4. No mundo tem que haver pessoas inteligentes e pessoas acomodadas para se ter equilíbrio e fugirmos da monotonia.

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