Dois homens estão naquela tradicional cena de fim de noite, sentados no balcão do bar, cada um mais amarrotado do que o outro. O primeiro, Nelson, é completamente calvo. Cláudio, apesar da aparência jovial, não esconde o cabelo grisalho. Garçons varrem o chão em volta das mesas. As poucas luzes estão se apagando. O barman recolhe as sobras de tantos amores que testemunhou fenecer. Há um clima de derrota no ar. No último suspiro, Nelson faz renascer o diálogo.
– O ano vai ser difícil. Ainda não me conformo de ele ter se aposentado.
– Bom, a gente sempre soube que isso aconteceria mais cedo ou mais tarde...
– Saber, sabíamos – o homem calvo se revigora. – Porém, depois que aquele outro bailou na curva, virando ícone – mito! –, só restava ele para manter o encanto da coisa, contra tudo e contra todos.
– É... – Cláudio segue reticente. – Mas tem um consolo: ele deixou o irmão firme, na ativa.
Nelson bate na mesa e sobe o volume da voz. Reclama que o tal irmão nada fizera de verdadeiramente admirável para merecer figurar entre os grandes. Com um toque apaziguador no braço, Cláudio tenta retomar o tom de confidência:
– Ora, com ele ainda na direção, mesmo sem igual brilho, sentimos que existe alguém para manter o legado, não é?
– Nada! A fibra não pode ser reduzida a uma questão genética. Tem outra: sem o mais velho, o caçula nem tinha chegado lá. Às favas com esse irmão!
Faz-se uma pausa. Melhor assim: os garçons já estão se olhando, loucos para expulsá-los do bar por algum motivo. Cláudio, que se tornara mais diplomático com o passar dos anos, diz não entender esse desconsolo fora de hora. Afinal, mesmo depois de tanto tempo de afastamento, o circo sequer ameaçava desabar. – Ou você suspeita de algo? – pergunta.
– Não é nem isso... O problema é que não vejo na nova geração um expoente capaz de chegar perto da capacidade dele no controle.
– Como assim?
– As coisas estão fugindo das mãos dos homens, você não vê? – Nelson abre os braços, olha para cima e para os lados enquanto fala para microfones imaginários: – Agora é tudo dominado pela máquina: mil olhos vigiam quem está lá, fingindo que dirige.
– Você está bêbado! – Cláudio perde a paciência. – Não tem essa de controle externo: é a mão do homem que está no poder. Sempre foi e sempre será. O resto é mera tecnologia. Pára de ver Big Brother em tudo!
Novo silêncio, cada um concentrado em seu copo. A conta chega para os dois, sem que pedissem. É um recado claríssimo. Cláudio alcança o cartão de crédito e vai ao banheiro. Nelson baixa a cabeça e parece chorar. Sim, está bêbado. E desiludido. O barman, ainda que calejado pelas tragédias do cotidiano, se vê condoído. Em um gesto solidário, repousa a mão no ombro do cliente e busca palavras de conforto:
– Calma: enquanto viver, o Fidel ainda estará no comando, todos sabem...
Nelson olha para ele, incrédulo:
– Fidel?! Que mané Fidel, cara?! Estamos falando do Schumacher!
por Rubem Penz.
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Realmente se ligam durante a leitura, gostei.
ResponderExcluirAbraços forte
Olá amigo William,
ResponderExcluirGosto do seu jeito de escrever, reticente, complexo, deixando o leitor a completer o seu pensamento.
Parabéns!
Carinhoso abraço,
Lilian