terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Sobreviventes: Crônica de um médico



Tenho teorias, sim, tenho algumas, como todos. Uma delas diz que a gente tem três fases na vida. A primeira vai até nascerem os filhos; a segunda vai até a gente encaminhá-los e a terceira fase começa ou recomeça a dois, só que mais velhos.
 
Grande parte de nós sucumbe antes de se completar a segunda fase.
 
 Uma inhaca bateu na gente, no meio médico, neste final de ano quando um grande número de médicos e familiares foi acometido de doenças gravíssimas, algumas rapidamente fatais. A gente, que cuida de gente, evidentemente não está imune a nada. Pelo contrário, visceralmente iguais padecemos das mesmas dores.
 
Na verdade cinquentões ou sessentões, apenas engrossamos as frias estatísticas que mostram que, como gado, seremos embretados, cedo ou tarde, aleatoriamente. Não temos cartões de benefícios e nem poderíamos ter, nem queremos ter porque quando nossos amigos se vão, a gente entende que nossa viagem já está marcada e a passagem também foi comprada.
 
Até os quarenta anos a principal razão de morrer é trauma. Entre os quarenta-sessenta são as causas cardiovasculares. Depois, aos sessenta, as causas de morrer incluem os tumores. Eu, aos cinquenta e cinco, sou uma bomba ambulante que explodirá em um momento qualquer. Alguma coisa vai acontecer e sem previsão.
 
 Não tenho ilusões, meu momento vai chegar, como a todos. Mas, não irei assim, sem vingança. Ela, minha vingança, já começou. Sim, estudei a morte e estudei a vida. Ela, a morte, solerte, não me pegará de pernas curtas. Sorrirei e direi: demorou, hein! Não me verá chorando e nem arrancando os cabelos. Verá um cara jocoso, debochado e irônico. Isso porque minha vingança inclui férias todos os dias de minha existência. Férias quando escrevo, leio, assisto ao futebol, quando corro ali no quartel, quando trabalho, quando jogo conversa fora, quando tomo minha cervejinha.
 
A vida é um presente, não é mesmo? E fui ensinado que quando a gente ganha um presente o melhor que se tem a fazer é aproveitá-lo. É o que faço. Quando a morte chegar perguntarei: tá na hora? Direi: sabe o que eu penso de ti, dona morte, penso que tu és muito infeliz ou, pelo menos, sádica e ensandecida, fria e despudorada assim como as gurias que a gente conheceu na zona. Sim, zona, houve um tempo em que havia isso.
 
Quando será que a morte vai encontrar a morte? Minha nova teoria diz que somos sobreviventes após os cinquenta e poucos anos. Todos os dias tenho teorias, na maioria, idiotas. Mas são minhas, pertencem a minha existência. Sonho em matar a morte... claro, pura estupidez; é só mais uma teoria de um médico que carrega uma bomba, sem data exata para explodir.
 
A vida é boa, mas tem que ser vivida todos os dias, assim como férias que também tem de ser aproveitadas diariamente. É a única maneira de encarar a morte, ou seja, a boa vida. Dar à morte a certeza de que tudo o que poderia ter sido, foi e foi plenamente.
 

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