sexta-feira, 31 de dezembro de 2010
Melancia Cíclica
O fim do ano instiga muitas ilações melancólicas, impulsionadas pelos ares natalinos e de réveillon. Não deve ser obra do Papai Noel. Pelo menos se espera que não. Lembranças do passado e do cotidiano familiar, de pessoas presentes e ausentes, permeiam este período do ano. Chega-se ao limiar de uma depressão coletiva, o que é salvo pela exuberante presença das crianças e sua alegria irradiante.
Não raro lembram-se dos tempos de outrora com a expressão “aqueles tempos eram bons”. Deprecia-se o tempo em que se vive. Alimenta-se a ilusão de tempos pretéritos virtuosos em contraposição a um presente corrompido, destituído de valor e virtuosidade. Talvez seja uma forma de compensar a perda de entes queridos. Também pode ser uma forma de fuga dos tormentos deste novo mundo que se descortina avassaladoramente e que coloca em xeque a tradição.
Os tempos são outros. Na verdade, sempre haverá outros tempos que substituirão tempos anteriores. Nada é imutável na humanidade. Tudo se transforma. Neste ponto, o grande filosófico Heráclito, há 2.500 anos, tinha razão. O que assusta muitos é a velocidade das mudanças nos dias de hoje, por mais que esse papo sempre esteve presente. Veja bem: há quatro décadas usar fio dental poderia tipificar atentado ao pudor e a mulher poderia se complicar. Hoje não dá nada. É algo trivial. Melhor, é recomendável!
Os tempos mudam. Transforma-se a sociedade e os seus valores. O melhor ou pior não podem ser compreendidos com base em valores superados. Os olhos do velho não permitem compreender o novo. Eis uma das grandes razões dos conflitos de gerações e de tempos.
A questão é apreender esta nova carga valorativa de uma nova sociedade, no seu próprio tempo, com seus defeitos e virtudes. Remoer ciclicamente tempos pretéritos pode afastar as inesgotáveis possibilidades que se abrem para o desenvolvimento humano. Isto gera crise? Talvez. Agora, há outra forma para o surgimento de novos paradigmas sem a implosão (pelos menos em grande parte) do paradigma anterior? Resposta: não.
Tais considerações não significam que tudo é possível. A fluidez valorativa dos tempos atuais não pode permitir a subjugação da dignidade da pessoa humana, cerne dos avanços civilizatórios do mundo ocidental, incrustada nas constituições democráticas, como a brasileira.
Viver o presente e as potencialidades do presente, eis o pulo do gato (diga-se de passagem, são pulos fascinantes e certeiros). Claro, as memórias do passado evitam a repetição de erros no futuro, mas não podem servir de redoma paralisante das ações no agora. Da mesma forma que a projeção do futuro tem que levar em consideração a base atual. Uma repetição das propaladas filosofias da vida, é óbvio.
É por isso que os antigos gregos não gostavam da palavra esperança, pois remetia a uma inibição do agir humano (segundo Nietzsche). Mais profícua e venturosa é a ação. Mais valoroso é o arrebatador poder de transformação que possui o ser humano.
De qualquer forma, trata-se de uma melancolia cíclica, que por ser cíclica, sempre retorna. Deve-se estar preparado para isto. O homem, de qualquer forma, amarga as alternâncias da vida. Talvez por isso existam composições imortais, como Carmina Burana, arranjo profano escrito na Alta Idade Média por monges (excepcionalmente bem interpretada pelo Coral da UPF). Eis uma pequena parte: “O Fortuna, velut luna, statu variabilis, semper crescis, aut decrescis, vita detestabilis, nunc obdurat, et tunc curat, ludo mentis aciem, egestatem, potestatem, dissolvit ut glaciem” (Ó fortuna, como a lua, é variável, sempre crescendo, e decrescendo, vita detestável, agora oprimes, depois alivias, brinca com as mentes, pobreza, poder, dissolve como gelo).
Por Giovani Corralo.
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Postado por
William Junior
às
15:46
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Willian,
ResponderExcluirEsse texto de Giovani Corralo, ao meu ver, é um dos melhores que você já postou no seu Blog, muito embora todos os artigos e textos que você posta são excelentes.
O saudosismo é algo intrínseco ao ser humano, e é inevitável trazermos à tona momentos e lembranças de tempos de outrora nessas datas tão especiais como Natal e Réveillon.
Eu acredito que o passado é a conjugação do presente e a esperança do futuro, portanto, não há presente sem passado, e muito menos futuro sem presente.
Eu poderia falar (escrever) horas sobre o texto acima, pois esse assunto é deveras abrangente e fascinante, mas vou ficando por aqui...
Desejo-lhe um Feliz e Próspero Ano Novo, com muita saúde, paz, alegria, amor, fé e esperança, e que possamos continuar partilhando e compartilhando muitas coisas no ano que se inicia.
Beijos.
Rosana.