sábado, 4 de dezembro de 2010

Darwin e a invenção da agricultura



Charles Darwin (1809-1882) ainda não tinha a barba grisalha e nem aquela aparência de velho que imortalizariam a sua imagem ao redor do mundo, quando, no distante 13 de abril de 1861, com a serenidade que lhe era peculiar, surpreendeu os pares da sociedade científica londrina que levava o nome do botânico sueco Carl Linné (o famoso Lineu) ao afirmar que, naquele momento, leria duas cartas de um médico do Texas/USA, Dr. Gideon Lincecum, nas quais ele deixava claro que havia descoberto o segredo da origem da agricultura.
Não é difícil imaginar que um "oh!", misto de surpresa e incredulidade, deve ter tomado conta dos presentes. Afinal, Charles Darwin, na época, já era respeitado como um grande naturalista. Dois anos antes, em 1859, com bases nas observações realizadas na famosa viagem de circunavegação empreendida pelo navio Beagle, que durou quatro anos e nove meses (entre 27 de dezembro de 1831 e 2 de outubro de 1836), ele havia dado a conhecer a sua famosa teoria sobre a origem das espécies, publicando um estudo intitulado "On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or the Preservation of Favored Races in the Struggle for Life" (Sobre a origem das espécies por meio da seleção natural ou a conservação das raças favorecidas na luta pela vida). Era uma concepção notável, fundamentada nos traços comuns entre espécies extintas e atuais, que deu origem à teoria da evolução, que vem sendo aperfeiçoada desde então.
Pelas cartas do Dr. Lincecum, a agricultura não foi inventada pelos homens. Os primeiros semeadores e coletores, segundo ele, teriam sido as formigas. Eis o motivo de espanto: a agricultura, como tantas outras coisas, faria parte das chamadas invenções pré-humanas. O cientista leu as cartas sobre a s formigas do Texas, nas quais o médico americano afirmava, com muitos pormenores, com bases em observações de 12 anos, que esses insetos cultivam intencionalmente (e depois colhiam) uma espécie de "arroz de formiga" (Aristida stricta), esmerando-se nos tratos culturais, durante um ciclo de dois anos. Esse tipo de monocultura seria praticado pelas formigas unicamente com esta espécie (coletam outras plantas, mas não as cultivam). Muitos, na ocasião, se lembraram da sabedoria de Salomão: "Tu, preguiçoso, olha para a formiga!". Outros citaram Horácio, o poeta latino, quando cantava a previdência da formiga, que "haud ignora ac non incauta futuri" (toma o futuro na sua previsão). Houve também quem se lembrasse de Virgílio, que, em algum ponto na Eneida, falava nas formigas. Alguns, no entanto, destoaram do coro de apressados, pois era sabido que as formigas armazenavam grãos para consumirem em tempos de necessidade. Porém isso era complemente diferente de cultivar cereais. Darwin ponderou: "De fato, da colheita ao cultivo vai uma distância tão grande como de Edimburgo a Pequim. Vale a pena refletir sobre o assunto!"
Os naturalistas da Linnean Society tinham os animais em alta consideração, mas as colocações do Dr. Lincecum sobre as formigas agricultoras do Texas eram "demasiadamente humanas" para serem aceitas. O ocorrido ficou esquecido por quase 80 anos, enquanto se desenvolvia a ciência da mirmecologia. E por mais que se descobrissem coisas fantásticas sobre o comportamento das formigas, ninguém conseguiu provar as observações de Lincecum. Pelo contrário, em vez de qualquer simpatia pela agricultura as formigas eram, de fato, inimigas da atividade agrícola. Coube a Ferdinand Goetsch elucidar a questão, em 1937. Segundo ele, as formigas de Lincecum tinham existido, mas não praticavam nenhuma atividade de cultivo agrícola. O que se sobressaia eram dois instintos: o da recolha e o da edificação. O primeiro faz com que a s formigas levem para os ninhos grãos, fragmentos de madeira e outros materiais. O segundo faz com que elas retirem do ninho materiais quando da sua ampliação; entre essas coisas sementes e grãos. Era o que tinha acontecido com as formigas do Texas. Esses grãos teriam, de modo não intencional, caído em terreno úmido e germinado. Não se tratava, portanto, de um cultivo consciente.
O Dr. Lincecum saiu de cena e Charles Darwin seguiu sua trajetória como naturalista consagrado até sua morte, vitima de ataque cardíaco, em Down, no dia 19 de abril de 1882, sendo, por solicitação expressa do Parlamento britânico, enterrado na abadia de Westminster.


por Gilberto Cunha.

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3 comentários:

  1. Grande William,
    valeu pela polemica publicação,
    será verdade uma parada dessa?

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  2. Interessante,a propósito, vc assisteu o filme "Origem" sobre Darwin? Vale á pena!!
    Adorei seu post!

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  3. Interessante... vc leu o livro Seis mil anos de pao?

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