Especialistas relacionam o
abuso de poder com complexo de inferioridade, que pode estar ligado a uma cena
primária do abusador
O poder pode ser dado ao homem por
meio de diversos canais, como dinheiro, conhecimento, status familiar,
profissional, dentre outros. Mas, existe um limite para se exercer o poder?
Para a professora-doutora
Purificación Martin Abuli Miceli, do Departamento de Psicologia da Universidade
Católica de Goiás, uma das características básicas do ser humano é a vaidade,
ou seja, um desejo imoderado de merecer a atenção dos outros e de receber
reconhecimento e elogios. Ela acrescenta que, no entanto, a vaidade passa a ser
negativa e prejudicial quando exacerbada, "pois domina o indivíduo e por
vezes, o torna irracional e impulsivo". Argumenta ainda, que os vaidosos
em potencial são seres que precisam de autoafirmação como poderosos, para se
destacar em seu meio de alguma forma.
Há os que se deixam influenciar,
dominar pela vaidade, considerada um dos sete pecados capitais em algumas
religiões. A especialista define que esses indivíduos costumam se apoiam
naquilo que têm de melhor em suas vidas, seja a sua beleza física, o seu
dinheiro, o próprio status social ou a profissão que lhes coloca em cargos
superiores. Utilizam-se desses recursos, de mera aparência, que funciona como
um escudo que os protege de sua própria fragilidade e, aparentemente, para se
agigantar perante os mais fracos de condição, determina Martin.
A pessoa que abusa de poder,acreditam
os especialistas ,veem no outro aquilo que ele não quer ser, mas, que no fundo
ele é. O que configura o abuso de poder sempre é a necessidade de se
sobressair, de mostrar que tem um poder, uma competência, além do que se
espera.

Martin analisa que tudo isso é
passível de ser fruto de uma infância mal vivida, sem muito valor, sem sensação
de aceitação por parte do outro, fruto provável do sentimento de menos valia ou
de revolta por punições constantes que o subjugaram. "Neste caso, seria
uma vingança voltada para o mundo. É claro, podem existir outras variáveis
interferindo neste comportamento humano", reconhece.
Igualdade perdida
Como exemplo desse tema, temos o caso
acontecido em 2011 – com repercussão recente nos jornais – entre um juiz e uma
agente fiscal de trânsito. Em fevereiro de 2011, o juiz, João Carlos de Souza
dirigia um carro sem placa, sem documentação e não estava com a habilitação
quando foi parado pela, hoje ex-agente do Detran, Luciana Silva Tamburini, de
34 anos, em uma blitz da Operação Lei Seca.
A ex-agente informou que o
carro deveria ser apreendido e levado para um pátio do Detran (Departamento
Estadual de Trânsito), mas o juiz exigiu que o veículo fosse para uma
delegacia. Em resumo: o juiz disse que houve deboche por parte de Luciana por
ela ter dito que ele era "juiz, mas não Deus". Ela alegou abuso de
autoridade por parte dele. Conclusão dos fatos: o Tribunal de Justiça do Rio,
por decisão do desembargador José Carlos Paes condenou Luciana a pagar R$ 5 mil
ao juiz como indenização por danos morais.
Sobre o caso a psicóloga,
Purificación Martin acredita ter havido abuso de poder, uma vez que, a lei é
para todos e deve cumprida por todos. "Se alguém está fora da lei tem que
achar uma maneira de cumpri-la e não desacatar o outro, seja quem for. Ela
estava em uma função o juiz estava como passageiro de um veículo, na função de
motorista, se alguma coisa estava falha tinha que ser corrigida. Neste caso,
podemos constatar a violação dos Direitos Humanos que fere a ética do cidadão,
uma vez que a lei deveria ser a mesma para todos independente da diferença de
cargos, caso contrário fere a nossa constituição", explica.
Para o especialista em ética, Will
Goya, do ponto de vista ético e pelo olhar crítico da filosofia, não há
qualquer novidade em se dizer que houve alguma injustiça cometida pelo
judiciário, pelo legislativo ou por meio do poder executivo, em quaisquer
instâncias, do municipal ao federal. "Desde que o mundo é capitalista, que
eu saiba, o poder sempre contou com o amparo legal para garantir a
ilegitimidade e a imoralidade. Tolice achar que a lei é igualmente aplicada
para todos. Quase nunca o foi", considera.
Considerando o que fora considerado
pelo filosofo Will, Martin reafirma que vence quem tem razão e isso vem, pela
história da humanidade, sempre acontecendo, "o mais poderoso subjuga
aquele que não é tão poderoso. Só que esse é um grande erro, nós temos que
parar para pensar". Para a psicóloga, não é o poder que corrompe o ser
humano, mas sim, este que o utiliza como um suporte poderoso para esconder seus
próprios problemas. "Um erro não justifica o outro, cada um tem que pagar
pelas próprias falhas e a lei é igual para todos", conclui.
"Tolice achar que a lei é igualmente aplicada
para todos. Quase nunca o foi”.
Will Goya, filósofo clínico e
professor com especialização em ética
Ele é mais comum do que muitos imaginam
O abuso de poder, define a psicóloga
Purificación Martin, é uma coisa que está de alguma forma inserida nas pessoas
que precisam de destaque. O destaque ela esclarece é uma necessidade de se
sentir aceita pelo mundo e, às vezes, a pessoa o usa de uma forma errada quando
exageram. "A gente ver vários exemplos de pessoas que estão subjugando
outras pessoas para elas poderem ter esse destaque, é uma maneira vaidosa de
acontecer na vida e de si sentir grande, poderoso", confirma.
Que o diga o gerente Juliano Tacassi,
31 anos. De acordo com ele, há dois anos e meio, quando trabalhava em uma
empresa de telefonia móvel, sofreu um caso de coação por abuso de poder. Ele
diz lembrar, como se fosse hoje, como tudo se passou: uma cliente vinda de
outra cidade aderiu a um plano de telefonia e após todo o processo de fidelização
a cliente revelou não ter dinheiro para pagar o aparelho telefônico.
Diante da situação que já se mostrava
embaraçosa, Juliano informou para a cliente voltar depois, em até cinco dias
para concluir o procedimento. Ela não confirmado o processo dentro do prazo
estipulado. Apareceu na loja vinte dias depois ao lado do pai, pedindo para
cancelar o plano o que não era possível, pois devido o tempo já havia sido
gerada uma fatura. "Ela voltou com o pai que pediu para cancelar o plano,
ao informá-lo que não era possível porque o tempo havia expirado, de um momento
para o outro, tirou a carteira da OAB do bolso e jogou no meu rosto exigindo
que o plano fosse cancelado porque ele era advogado", lembra.
Surpreso, Juliano informa ter tentado
estabelecer um diálogo com o homem. "Disse para ele que não esperava que
ele fizesse isso pelo fato dele ser um conhecedor da lei e diante daquela
situação dramática haviam câmaras que tinham registrado tudo o que ele havia
feito", narra. Juliano disse ter se sentido humilhado e o advogado saiu
impune.
Recentemente, já em outro emprego no
qual ele já estava há dois anos, Juliano diz também ter passado uma situação
que considera abuso de poder. Nesta empresa onde ele exerce a função de
gerente, na última segunda-feira (10) ele foi obrigado arrancar todo o mato da
frente da loja.
Ele explicou à reportagem que a
gerente regional ao chegar ao estabelecimento e ver o mato o questionou o
porquê do lugar não estar limpo. Ele teria respondido que devido a correria não
teve tempo de solicitar a limpeza. Neste momento, sua superior teria o
interpelado: – Qual sua atitude, não deveria ter feito o serviço?
Ele respondeu que irá providenciar a
limpeza da frente da loja. Não satisfeita, a gerente regional o intimou a
realizar a tarefa, ele mesmo. Juliano diz que mesmo se sentindo humilhado pegou
dois sacos de lixo vazios e luvas e foi para a frente da loja fazer o serviço
que não correspondia a seu cargo. "Naquele momento me senti profundamente
humilhado, não que o ato de tirar o mato não seja um trabalho digno, mais sim
pelo abuso de poder que sofri", protesta.
Diante da situação polêmica, Juliano
resolveu sair da empresa e analisa a possibilidade, desta vez, de não deixar
passar em branco o abuso de poder que sofreu.
Outros casos
No inicio desde mês, numa
quinta-feira (6) em um prédio, na zona norte de São Paulo, uma câmara de
segurança instalada no elevador registrou o momento em que uma mulher agrediu
um menino de nove anos, portador de necessidades especiais. O garoto recebeu
uma sequência de socos e chutes da vizinha de apartamento.

A psicóloga Purificación Martin
descreve o excesso de abuso de poder cometido pela agressora.
"Primeiro era uma criança e mais grave com uma deficiência, ela
jamais poderia fazer isso, esse é um abuso de poder porque é um adulto fazendo
isso com uma criança indefesa".
Um auxiliar de produção de 24 anos,
morador de Londrina (PR), receberá R$ 5 mil de indenização por danos morais. O
jovem era constantemente humilhado por seu superior por causa de uma lesão na
vista, conhecida como pinguécula, que deixa o olho vermelho. Ele era chamado
pelo superior de "maconheiro". A empresa recorreu da ação, mas o
Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR) manteve a sentença por entender
que o dano resultou de ato de seu superior hierárquico, e não de "mero
colega de trabalho".
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