sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Nossas mentes atrasadas



Às vezes eu acho que nós, brasileiros, temos razão em manter nosso tradicional complexo de inferioridade, achando que tudo do famoso Primeiro Mundo é melhor do que aqui, a começar pela aparência e a terminar pela língua. É quando constato que somos atrasados mesmo, triste verdade. Somente um povo atrasado é que ia dedicar, como dedicou, espaço e tempo a comentar indignadamente e rechaçar com veemência uma piada que o ator Robin Williams fez num programa de tevê americano. Deve ser o único lugar do mundo onde isso acontece em relação a algo dito por Robin Williams, que os próprios americanos nem ouviram dá uma vergonhazinha.

Lembro agora, a propósito, o que aconteceu, faz algum tempo, quando o então correspondente do New York Times no Brasil escreveu sobre a relação do presidente Lula com as bebidas alcoólicas. O presidente quis expulsar do País o sacrílego jornalista e também lembro que o ministro Gushiken, aquele com cara de Fu-Man-Chu que na época nos assombrava, justificou tal reação dizendo que a matéria contendo o crime de lesa-majestade era equivalente a, em se estando no Japão, difamar o imperador. Em comparação, conta-se que, quando o presidente Kennedy se julgou ofendido pelo mesmo New York Times, apenas murmurou um palavrão e cancelou sua assinatura.

Agora, notadamente aqui pela América do Sul, cria-se novamente um clima anti-imprensa, a começar pelo nosso presidente, que se esquece do muito que deve a uma imprensa livre e agora a considera incômoda e quer ditar seu comportamento. Como não lê nada, a realidade lhe é narrada pelos puxa-sacos que o rondam, como rondam qualquer governante, e que não querem ser portadores de novas desagradáveis. A imprensa, assim, só pode refletir uma realidade que ele desconhece. Liberdade de imprensa, sim, contanto que a favor do poder. Tudo atraso, aqui neste triste continente agora ostentando cá e lá o que poderia ser uma caricatura, mas é retrato. Populismo barato, gritos de muerte a isso e muerte àquilo, viva la revolución aqui e viva la revolución ali, peitos ataviados com medalhas do tamanho de bolachões, provavelmente ganhas pela promoção ou repressão de alguma arruaça de meia pataca.

Mais atrasado que isso – e, ai de nós, não de todo incogitável num futuro tenebroso – só na Etiópia do tempo de Haile Selassie, quando qualquer coisa a ser impressa, até mesmo convites de casamento, tinha de passar pela censura oficial. Não duvido nada, mas nada mesmo, que alguém queira adotar práticas semelhantes para o Brasil de hoje e daqui a pouco proponham a padronização dos convites de casamento, para os quais sugiro logo a proibição dos dizeres “os noivos receberão os cumprimentos na igreja” para os casais cujo pai da noiva ganhe mais de vinte salários mínimos, pois nessa faixa será obrigatória a realização de uma recepção a convidados, com uma quota de trinta por cento para negros, vinte por cento para pardos e quinze por cento para moradores de comunidades carentes.

Não esqueçamos a tentativa que se fez em Brasília de regulamentar a maneira pela qual deveríamos falar, o politicamente correto da nossa linguagem de todo dia. Na ocasião, seus elaboradores e proponentes alegaram que a cartilha não era normativa, mas apenas sugestão, como se, no mar da macaquice e da indigência mental de tantos de nós, todo mundo em breve não fosse falar e escrever conforme ela. E daí a pouco, os comunicadores e porta-vozes estariam falando como o presidente do Lions Club de Wichita na presença dos leões e suas domadoras.

Age-se aqui como se as liberdades de pensamento, expressão e imprensa, que não podem ser dissociadas, como se uma fizesse sentido sem as outras, fossem uma outorga do Estado, ou, pior ainda, do governo. É comum entre nós a mentalidade de que o governo ou o Estado nos dá isso ou aquilo. Nem um nem outro nos dão nada, não somente porque pagamos os impostos que os sustentam, mas principalmente porque legitimamos o poder que é exercido sobre nós. Essas liberdades não são um dom do Estado ou do governo, são parte da dignidade e dos direitos básico do cidadão e da sociedade.

E não podemos, como também fazemos habitualmente, confundir Estado com governo. O funcionário público não é servidor do governo, mas do Estado. A tevê pública, ou o que lá seja isso no Brasil, não é do governo, mas do Estado. Contudo, não só encaramos como do governo tudo o que é estatal, como o governo de fato mete o bedelho a seu bel-prazer, em áreas que deviam ser escrupulosa e rigorosamente defendidas, como as próprias tevês públicas, onde nunca é aconselhável falar mal do governo e o mesmo governo nomeia e demite como lhe apraz.

Agora mesmo acaba de se encerrar uma tal Conferência Nacional de Comunicação, onde, segundo me contam, houve um festival de asnices e intenções duvidosas dignas da ala de extrema esquerda de um grêmio infanto-juvenil norte-coreano. Tentaram de novo criar um Conselho Federal de Jornalismo, para dar palpite na imprensa e, provavelmente, involuir para o ponto em que nós receberíamos uma lista de assuntos que deveriam ser abordados em nossos espaços, bem como a opinião a ser adotada. Também propuseram a volta da exigência de diploma em comunicação para o exercício da profissão de jornalista. Isso não é pela liberdade de imprensa, porque qualquer cidadão deve ter o direito de publicar um jornal em que defenda legitimamente suas opiniões, sem precisar recorrer a um diplomado, que, em certos casos, só fará emprestar, ou vender, sua assinatura. Enfim, quanto mais as coisas mudam, mais permanecem as mesmas. Com uma exceção: sem imprensa livre, elas piorariam bastante.E os blogueiros sem diploma de jornalista, como fariam para publicar suas notícias???
Baseado em João Ubaldo Ribeiro, escritor e jornalista.

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5 comentários:

  1. SABE O QUE EU ACHO, ACHO QUE TUDO QUE ESCREVEU É CORRENTO, MAS ACHO QUE TUDO QUE É DEMMAIS INCOMODA, SERÁ QUE SEU EU OU VC ESTIVESSEMOS NA PRESIDÊNCIA OU QQUER OUTRO CARGO SUPORTARÍAMOS TER QUE ATURAR CERTOS JORNALISTAS QUE FAZEM DA PROFISSÃO UM MEIO ESPECULATIVO?
    IMAGINE-SE TENDO QUE SORRIR DIARIAMENTE SENDO QUE TUA VONTADE É DE DAR UM MURRO NA CARA DE UM DESSES SUPOSTOS JORNALISTAS QUE FAZEM DA CLASSE UMA DAS PIORES QUE JÁ VI EM MINHA VIDA. ELES ACHA QUE PQ TEM UM MICROFONE NA MÃO E O DIREITO DE IMPRENSA PODEM FAZER E FALAR O QUE BEM ENTENDEM E OS OUTROS AINDA TEM SORRIR...TUDO BEM QUE NOSSA POLITICA NÃO É DAS MELHORES MAS VEJO PELO LADO HUMANO...POXA TEM QUE TER SANGUE DE BARATA AS VEZES.QUANDO VEJO ABUSOS DE CERTOS "PROFISSIONAIS" DA AREA DA IMPRENSA FICO ATÉ COMVERGONHA PELO RESTO DA CATEGORIA QUE TENTA FAZER UM TRABALHO DECENTE.

    BEM ESTA É MINHA OPINIÃO

    ABS

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  2. Grande William, a mais pura sacrosanta realidade, damos muita importancia a coisas pequenas, as formigas e enquanto isso os grande elefantes passam e nem ligamos.

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  3. A imprensa tem exorbitado. Alguns órgãos de comunicação omitem, mentem, difamam. Isto é imprensa livre?
    Seis famílias dominam a mídia no Brasil. É necessária regulamentação urgente, pois o que a imprensa brasileira faz é desinformar. Criam crises após crises. Cáos aéreo, gripe suina, crise financeira que levaria o Brasil à falência, crise militar. Pessimismo. Vontade de que dê tudo errado. Prognósticos furados...
    É preciso democratizar a imprensa através de regulamentação que permita maior diversidade.

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  4. Olá querido amigo William,

    Excelente matéria. Dá muito o que pensar.
    Ratifico suas palavras, integralmente.
    Carinhoso e fraterno abraço,
    Lilian

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  5. Só uma coisa devemos lembrar. Que não podemos generalizar, todos os jornalistas, mas sabemos que alguns estudaram, estudaram, mas não aprenderam que os direitos dele, começa onde termina o direito do outro... Ou seja, sempre ha invasão de privacidade, isso eu não concordo...E ainda faço das palavras da minha amiga "Rê", as minhas

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