terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Diretos civis e humanos?



O terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos (3º PNDH) é uma clara evolução na preocupação da sociedade brasileira e do governo Lula com os direitos humanos para o povo e cada ser humano. Mas, ao ampliar muito o leque de assuntos tratados, o programa misturou valores éticos, dos direitos humanos, com opções políticas, dos direitos civis.

Primeiro: o texto aborda o direito de conhecer a verdade sobre a história do País e ao tratamento a ser dado aos torturadores que foram anistiados. O direito à verdade é um direito humano. O Brasil precisa saber tudo o que aconteceu: o genocídio de índios, as brutalidades da escravidão, a guerra do Paraguai, os malditos “Anos de Chumbo” e a corrupção nesses tempos de democracia. O mesmo não se pode dizer da revogação da Lei de Anistia. A lei foi um ato político aceito no momento em que foi concedida. Como tal, pode até ser revista, mas sem necessidade de cobertura dos direitos humanos. Sua revisão será uma questão política.

Segundo: o tema que diz respeito ao direito ao aborto. O direito à vida de mulheres ameaçadas por gravidez de risco ou o direito de evitar um filho indesejado por ser fruto de estupro deve ser um direito humano. Mas a generalização do direito ao aborto não tem sido vista como uma questão de direito humano exclusivo da mãe e que implica o direto da criança e do pai também.

Terceiro: é inacreditável que ainda haja resistência a que pessoas do mesmo sexo possam fazer uniões civis para constituírem vida em comum. Mas o direito humano está no direito de se viver com quem quiser, a legalização é um direito civil para os que quiserem, se o direito civil permitir. Por isso, temos que mudar a lei, sem necessidade de apelar para um direito humano.

Quarto: é possível que algumas pessoas considerem que a propriedade privada fere os direitos humanos, mas esse não é um sentimento hegemônico. Nessas condições, as ocupações de terra são um assunto de direito civil, legalidade, não de direitos humanos. O direito à terra pode ser um direito humano, mas se respeitado, o direito civil à propriedade privada – até ela, quem sabe, ser extinta um dia.

Quinto: a liberdade e a honra são direitos fundamentais de todo ser humano. Por isso, é preciso dar responsabilidade à imprensa, mas a garantia dessa responsabilidade é uma questão legal. Querer tutelar a liberdade por meio de comissões especiais vai ferir os direitos à liberdade.

Isso leva a outra constatação: os temas ausentes do 3º PNDH. Nele não se considerou o direito humano a uma justiça imparcial, o que exige uma modificação completa no funcionamento do privatizado sistema judiciário brasileiro. O documento tampouco trata com ênfase do direito igual à vida, que só poderia acontecer com um sistema de saúde igual para todos, o que forçaria a publicização do sistema de saúde. Esse direito, no Brasil, não vem sendo tratado como direito humano, porque é um direito comprado pelos que podem pagar boa assistência médica.

Sobretudo, falta ênfase sobre o mais fundamental dos direitos humanos, aquele que abre as portas a todos os demais: o direito à educação de qualidade para todos. Constam apenas referências inócuas. Nada afirma a necessidade de erradicar o analfabetismo – 14 milhões de adultos são incapazes de ler e, por isso, não conseguem usar seus direitos fundamentais. Milhões aprenderam as letras, mas não entendem o que leem.

O documento apresentado pelo governo é cheio de boas intenções, mas peca pelo excesso de temas e pela ausência de compromissos.

Cristovam Buarque.
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Um comentário:

  1. Ufa! Até que enfim uma opinião que se baseia no Decreto! Parabéns pela pesquisa.

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