sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Modo diferente de falar do amor



Frequentemente sou convidado para falar sobre o amor. Sinto certo constrangimento porque esta palavra – amor - é uma das mais desgastadas de nossa linguagem. E como fenômeno inter-pessoal, um dos mais desmoralizados. Para não repetir aquilo que todo mundo já sabe e ouve, costumo fazer uma abordagem inspirado num dos maiores biólogos contemporâneos: o chileno Humberto Maturana. Em suas reflexões o amor é contemplado como um fenômeno cósmico e biológico. Expliquemos o que ele quer dizer: o amor se dá dentro do dinamismo da própria evolução desde as suas manifestações mais primárias, de bilhões e bilhões de anos atrás, até as mais complexas no nível humano. Vejamos como o amor entra no universo.

No universo se verificam dois tipos de acoplamentos (encaixes) dos seres com seu meio, um necessário e outro espontâneo. O primeiro, o necessário, faz com que todos os seres estejam interconectados uns aos outros e acoplados aos respectivos ecosistemas para assegurar sua sobrevivência. Mas há um outro acoplamento que se realiza espontaneamente. Os topquarks, a primeira densificação da energia em matéria, interagem sem razões de sobrevivência, por puro prazer, no fluir de seu viver. Trata-se de encaixes dinâmicos e recíprocos entre todos os seres, não vivos e vivos. Não há justificativas para isso. Acontecem porque acontecem. É um evento original da existência em sua pura gratuidade. É como a flor que floresce por florescer.

Quando um se relaciona com o outro (digamos dois prótons) e assim se cria um campo de relação, surge o amor como fenômeno cósmico. Ele tende a se expandir e a ganhar formas cada vez mais inter-retro-relacionadas nos seres vivos, especialmente nos humanos. No nosso nível é mais que simplesmente espontâneo como nos demais seres; é feito projeto da liberdade que acolhe conscientemente o outro e cria o amor como o mais alto valor da vida.

Nessa deriva, surge o amor ampliado que é a socialização. O amor-relação é o fundamento do fenômeno social e não sua consequência. Em outras palavras: é o amor-relação que dá origem à sociedade; esta existe porque existe o amor e não ao contrário, como convencionalmente se acredita. Se falta o amor-relação (o fundamento) se destrói o social. Sem o amor o social ganha a forma de agregação forçada, de dominação e de violência, todos sendo obrigados a se encaixar. Por isso sempre que se destrói o encaixe e a congruência entre os seres, se destrói o amor-relação e com isso, a sociabilidade. O amor-relação é sempre uma abertura ao outro e uma con-vivência e co-munhão com o outro.

Não foi a luta pela sobrevivência do mais forte que garantiu a persistência da vida e dos indivíduos até os dias atuais. Mas a cooperação e o amor-relação entre eles. Os ancestrais hominídios passaram a ser humanos na medida em que mais e mais partilhavam entre si os resultados da coleta e da caça e compartilhavam seus afetos. A própria linguagem que caracteriza o ser humano surgiu no interior deste dinamismo de amor-relação e de partilha.

A competição, enfatiza Maturana, é anti-social, hoje e outrora, porque implica a negação do outro, a recusa da partilha e do amor. A sociedade moderna neoliberal e de mercado se assenta sobre a competição. Por isso é excludente, inumana e faz tantas vítimas como a atual crise revelou. Ela não traz felicidade porque não se rege pelo amor-relação. A atual crise se originou, em parte, pela excessiva competição e pela falta de cooperação. Vale uma sociedade com mercado mas não só de mercado.

Como se caracteriza o amor humano? Responde Maturana: “o que é especialmente humano no amor não é o amor, mas o que fazemos com o amor enquanto humanos; é a nossa maneira particular de viver juntos como seres sociais na linguagem; sem amor nós não somos seres sociais”.

Como se depreende, o amor é um fenômeno cósmico e biológico. Ao chegar ao patamar humano ele se revela como um projeto da liberdade, como uma grande força de união, de mutua entrega e de solidariedade. As pessoas se unem e recriam pela linguagem amorosa, o sentimento de benquerença e de pertença a um mesmo destino.

Sem o cuidado essencial, o encaixe do amor-relação não ocorre, não se conserva, não se expande nem permite a consorciação entre os demais seres. Sem o cuidado não há atmosfera que propicie o florescimento daquilo que verdadeiramente humaniza: o sentimento profundo, a vontade de partilha e a busca do amor. Estimo que falar assim do amor faz sentido porque nos faz mais humanos.
Leonardo Boff é teólogo e autor de Graça e experiência humana.
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3 comentários:

  1. Leonardo Boff, pelo que eu entendi ele faz uma relação entre amor e sociedade se amamos alguém logo não estamos so e a sociedade se faz como pessoas..legal gostei de ler a paz

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  2. William,

    Como vc falou: acho que o Amor "primári" é o Amor puro!! O Amor complexo (leia-se complicado) a nível humano é retardado. Não é algo completo, inteligível. Inteligível é o que é simples, mesmo parecendo mais intuitivo do que algo exatamente palpável.

    O Amor que os homens desprezam nos animais (achando-o puramente sensóreo e bestial) é o mais puro!! O homem é que insiste em desdenhá-lo, pois é egoísta, repudia aquilo que não compreende. Mas secretamente o deseja, pois é livre de tabus, e é um Amor em connexão direta com o Universo da Criação.

    Enquanto isso, o homem é uma ilha de exílio!! É um Robson Crusoé!! É como o Náufrago do filme homônimo, falando com o Willie (o coco amigo), balbuciando qualquer pantomima pra simular algo que ele não compreende mais, do que ele já perdera o contato há muito. Vai ter que reaprender a se relacionar com o Cosmos e esperar um resgate, mas se não, ele vai quebrar o coco ao meio e enlouquecer!!

    Abçs!!

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  3. Puxa, tão bonito a maneira que ele tentou analisar o amor. Gostei quando diz que o mais importante não é o amor, mas o que fazemos dele e que sem ele não somos nada.

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