terça-feira, 12 de outubro de 2021

A série Round 6: inadequada para crianças, mas com algumas necessárias reflexões atuais

 

Breve análise sobre a famosa série da Netflix.

Eu não tinha intenção de assistir a tão propalada série da Netflix, a denominada Round 6 (um fenômeno de audiência), contudo, isso foi se alterando pela motivação de ter despertado também o interesse de muitas crianças (inclusive a minha filha), já que um dos chamarizes da série é a realização de provas baseadas em brincadeiras infantis, com pais descuidados caindo nesse canto da sereia e deixando crianças terem contato com o seu conteúdo, lembrando que a classificação etária é de 16 anos. Para se criticar ou elogiar, primeiramente, tem que se assistir.

Achei que deveria conhecer para fazer conexões com aspectos legais e também porque, como seres históricos e vivenciadores de fatos, entende-se, devemos compreender porque uma série dessas despertou tanto interesse social.

Contudo, a série em si traz questionamentos provocantes do ponto de vista da privacidade, intimidade, do sigilo, pois, como todos os participantes são captados e convidados a participar? De onde vem os seus dados? Imagina-se que, com violações ou dados vazados, o que coincide com o nosso momento atual de enorme fragilidade em segurança dos nossos dados, sendo o Brasil também um dos países que mais sofrem com os crimes digitais e golpes de diversas naturezas.

A violação de dados por si só já seria uma ilegalidade, inclusive por escolher as pessoas cientes de suas vulnerabilidades e considerando que esse “show” pode ser vendido para os telespectadores, online ou presencialmente (com lucro). De onde veio o dinheiro das premiações? Lembrando que no Brasil temos a Lei Geral de Proteção de Dados e outras normas, assim como em diversos países normas similares, já que o poderio das grandes empresas de tecnologia e bancos nos deixam fragilizados em diversos aspectos. No Brasil os empréstimos bancários equivalem à agiotagem legalizada.

Curiosamente, a própria série causou um incidente de privacidade: “Entretanto, um número de telefone, que aparece logo no começo da história, provou-se comprovadamente real. O número existe e vários fãs de 'Round 6' tem ligado para ele, causando problemas para a proprietária do telefone, uma mulher coreana, que passou a receber ligações e mensagens constantes.” (Disponível em: https://www.terra.com.br/diversao/tv/series/serie-da-netflix-round-6-divulga-numero-real-de-telefone,cf821e3f76044526231bc3e6bd897293g46ewvy4.html. Acesso em: 11.out. 2021).

 


De outro lado, a série traz discussões pontuais sobre temáticas sociologicamente relevantes como doação compulsória de órgãos, tráfico de órgãos, violência, etarismo, sexismo, xenofobia e outros assuntos correlatos, abordando também como as pessoas agem nos seus limites, com precisão, seja por dinheiro, seja para preservar a própria vida, em suma, como podem se submeter a situações em que a própria integridade física (morrer pelo não cumprimento da norma de um jogo) seja colocada em risco.

A série traz uma discussão interessante também sobre a pobreza, as dívidas, uma crítica social sobre questões de desigualdade social, direito de moradia, assistência médica, alimentação digna e outros. Aborda também fatores importantes como a dualidade humana, envolvendo o bem e o mal, que me fez relembrar de Edgar Morin quando ele classifica os seres humanos como homo sapiens sapiens (o humano na fase de evolução atual) e também o homo sapiens demens (o lado selvagem, louco e errante).

O jogo aborda democracia (?) com a votação sobre a continuidade no jogo, porém quem está com a sua vontade totalmente livre com a eminente perda de alguém próximo por motivo de saúde ou distância, ameaçado de morte ou doação forçada dos órgãos, ameaçado por gangues, dívidas, iminente prisão e etc.?

Enfim, um topa tudo por dinheiro, sem a ingenuidade do programa matinal do Silvio Santos. Mostra uma face cruel da raça humana, colocando-a no centro de um jogo de vida e morte, coisificação do humano, com os participantes sendo tratados por números que constam nos seus agasalhos. Por isso, impróprio para as crianças, que mesmo sem assistir merecem a explicação de uma mediação humanística para se entender porque para eles é inadequado, jamais glamourizar a tratativa dos seres humanos como cobaias (apesar de sabermos que algumas redes sociais também tem feito isso com todos nós).

ADRIANO AUGUSTO FIDALGO.

 


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