quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Gatos e ratos

Fábulas, assim aprendi, são composições literárias curtas, escritas em prosa ou verso, na qual os personagens são animais que apresentam características antropomórficas e estão presentes na literatura infantil. Possuem caráter educativo e encantam crianças e adultos. Isso posto, transcrevo - com notas muito pessoais, é óbvio - uma fábula, quase esopiana, que li em algum lugar. Trata-se de um singelo preito aos bichos que labutam para sustentar gatos e ratos.

Um jovem chacareiro cultivava cereais. Todo ano, no fim da safra, a produção era depositada no paiol. Com os cereais, ele alimentava os bichos do sítio. Em permuta, eles lhe proviam o sustento. Um velho cão, herdeiro de muitos outros, gerenciava o paiol, mas os ratos teimavam em roubar o produto ali recolhido. Era uma azáfama duríssima. Os ratos insistiam sempre e, vez por outra, surrupiavam uma espiga de milho aqui, outra acolá. Em homenagem ao fatigante trabalho do cão, os bichos o elegeram presidente do sítio.

Certo dia surgiu um gato no terreiro. Era magricela, finório, tagarela e portava longos e atrevidos bigodes: um legítimo gato barbudo! Zeloso do seu afã, o cão reagiu, latindo ferozmente. Ansiava escorraçá-lo. O chacareiro não deu importância aos obstinados avisos. E o bichano, intrometido, pachorrento, olhar zombeteiro, malandro, acabou por instalar-se.

Esperto, o gato foi conquistando a confiança dos outros bichos do sítio: ovelhas, cabras, vacas, cavalos, galinhas e asnos. Bonzinhos, eles ouviam atentos o que o bichano tinha a dizer. E eram lamúrias. Muitas lamúrias. "O que vai ser de mim? Não há lugar neste sítio para um pobre bichano como eu, injustiçado, debilitado, inocente e com o dedinho massacrado?" Após tanto chororô, a bicharada passou a confiar nele. 


Miou tanto, tanto, que um dia, revoltados com o miserê do gatinho e com a justiça social que grassava no sítio, a bicharada decidiu derrubar o cão. Expulso, de pronto o gato foi entronizado no posto.

No início tudo era festerê: encarapitado no lombo do asno, o gato viajava para outros sítios. Alguns longínquos. E se gabava da sua conquista. O sítio, acreditava-se, viveria uma nova era. Uma era de prosperidade e abastança. Um tempo de esperança. A festança era tão grande e havia tal júbilo que a bicharada não percebeu que, a cada novo dia, novos gatos com caudas longas e felpudas pintavam no terreiro. Gatos que - diga-se de passagem! - menosprezavam o trabalho.

Eis que, certo dia, o inusitado aconteceu! As cabras, que produziam o leite mais gordo da área rural, foram expulsas pelos gatos companheiros do gato-presidente. As galinhas, que punham muitos ovos, foram enxotadas do galinheiro e os gatos, cada vez em maior número, fingiam estar botando ovos. Quando o asno deu as caras para tirar o arado, um bando de gatos dormitava sobre os arreios.

Ora, como era de se preconizar, o gato-presidente agora lustroso, perfumado, bem fornido e cheio de razão, não conseguia tomar conta do paiol. De imediato, os ratos entenderam o seu drama. Céleres, atacaram como nunca os cereais nele armazenado. 

Assustado, o gato-presidente correu para aconselhar-se com o gato-conselheiro que assim lhe falou: "Companheiro! A coisa está ruça! Em nome da governabilidade do sítio urge a formação de um pacto com os ratos. Afinal, nunca é tarde lembrar a máxima de Maquiavel - os fins justificam os meios". E um pacto foi lavrado entre gatos e ratos: os ratos fingiam não roubar os cereais e os gatos fingiam caçá-los. Algo bem singelo. Sem mirabolantes exercícios de inteligência.

Burlada, a bicharada acreditou. Os ratos que comiam os cereais às escondidas sustentavam os gatos no poder. Mas os cereais foram escasseando, escasseando, escasseando... E a bicharada começou a sentir fome. E foi reclamar ao gato-presidente. Trop tard! Era rato por todo lado. Ratazanas fortes, roliços, luzidios. E a bicharada - coitada! - sem um só grão.
Esfaimados, atraiçoados, os bichos foram privados do mais belo de todos os sonhos - a esperança de viver dias mais felizes!



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Um comentário:

  1. Exemplo claro de que, se dermos ouvidos a quem muito fala e nada faz, acabamos nos dando mal. Cuidado com os que se fazem de vítimas, coitadinhos. Estão à procura de iludir os incautos.

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