quarta-feira, 4 de maio de 2011

Somos verdadeiramente fraternos?



A fraternidade está, conceitualmente, ligada à ideia de liberdade e igualdade e, em muitos aspectos, é confundida nos dias atuais com a compreensão que se tem da amizade.

Na realidade, para compreender o mundo e nos adaptarmos a ele, não precisamos conceituar tudo, estabelecer diferenças e similaridades. A vivência tem sua própria sabedoria. Estes são aspectos que servem à comunicação, à transmissão cultural e à identidade e padronização da linguagem social. Tentar explicar a realidade e o mundo do pensamento tornou-se então peça-chave para a plena configuração da cidadania e para o progresso da própria humanidade.

Assim, conceitos de liberdade e igualdade nortearam a Declaração Universal dos Direitos do Homem que estabelece que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e de consciência e devem agir uns com os outros em espírito de fraternidade”. A fraternidade deixa subentendido que o homem, enquanto animal político, fez uma escolha consciente pela vida em sociedade e “estabelece com os seus semelhantes uma relação de igualdade, visto que, em essência, não há nada que hierarquicamente os diferencie: são como irmãos, ou melhor como seres inteligentes e fraternos”.

É neste sentido que está a maior diferença da amizade. A amizade, segundo Aristóteles, apresenta mais de uma forma na relação com o objeto de amor: o que é bom, o que é agradável e o que é útil. Portanto, há um quê de egoísmo na amizade, na medida em que as pessoas buscam seus próprios interesses e ama o amigo que pode lhe proporcionar algum bem. Não se ama o amigo por ele mesmo, mas utiliza a amizade como um meio para conseguir outra coisa.

Na política pode-se confirmar o que prevê a ética aristotélica e quanto mais influência e poder de manipulação tem um homem, mais necessidade ele terá de ter amigos leais e buscar uma amizade perfeita. Compreendemos aqui a amizade perfeita como aquela existente entre seres humanos que são bons e semelhantes na virtude, promovendo uma reciprocidade de caráter e objetivo.

Desta compreensão é possível refletir outras idéias sobre a amizade e a fraternidade. Enquanto a fraternidade se coloca ao lado da igualdade e da liberdade como conceitos independentes e universais, a amizade pode acontecer entre desiguais, como entre um chefe e um subalterno, ou entre pai e filho, ou um homem e uma mulher, porque na amizade permeia o nível de interesse, e uma vez cessada a motivação, acaba-se a amizade. Daí a necessidade de se buscar para a perenidade, a amizade como uma virtude, cuja exigência peculiar se resume em tempo e intimidade, sendo invulnerável à calúnia.

E o filósofo vai ainda mais longe; afirma que “se os cidadãos praticassem entre si a amizade, não teriam necessidade da justiça, mas mesmo que, por hipótese, todos os homens fossem justos, todos teriam ainda assim necessidade da amizade”. Santo Agostinho complementa o conceito da amizade e atribui certa responsabilidade ética ao amigo: “Ama-se de tal modo os amigos que a consciência se julga culpada se não é capaz de amar aquele que ama, ou se não procura retribuir o amor com amor, e apenas procura na pessoa do amigo o sinal exterior da sua benevolência.”

Toda esta verborragia não tem outro objetivo senão o de reconhecer os amigos entre nós e fazer uma conexão entre a fraternidade e a amizade. O amor entre irmãos é algo que precisa ser desenvolvido, estimulado e alimentado com princípios e ética.

A própria Bíblia registra o primeiro assassinato entre os irmãos Caim e Abel, o que leva a refletir na igualdade. Mas esta é outra história. Lidando com as nossas sombras e buscando o autoconhecimento podemos alcançar níveis de consciência em que a amizade saia do utilitarismo e a fraternidade seja realmente uma opção de inteligência.


Por Kleber Adorno no DM.

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