terça-feira, 10 de maio de 2011

O ser humano é um ser contraditório; nele vivem o santo e o demônio



Segundo Nietzsche, o ser humano é um ser paradoxal, são e doente: nele vivem o santo e o assassino. Bioantropólogos, cosmólogos e outros afirmam: o ser humano é, ao mesmo tempo, sapiente e demente, anjo e demônio, diabólico e simbólico. Freud dirá que nele vigoram dois instintos: um de vida que ama e enriquece a vida e outro de morte que busca a destruição e deseja matar. Nele coexistem as duas forças. Por isso, nossa existência é complexa e dramática. Ora predomina a vontade de viver, tudo irradia e cresce. Noutro momento, ganha a partida a vontade de matar e então irrompem violências e crimes.

Podemos superar essa dilaceração no humano? Foi a pergunta que Einstein colocou numa carta a Freud: "Existe a possibilidade de dirigir a evolução psíquica a ponto de tornar os seres humanos mais capazes de resistir à psicose do ódio e da destruição?". Freud respondeu realisticamente: "Não existe a esperança de suprimir de modo direto a agressividade humana. O que podemos é percorrer vias indiretas, reforçando o princípio de vida (Eros) contra o princípio de morte (Tânatos)". E termina com uma frase resignada: "esfaimados, pensamos no moinho que tão lentamente mói que poderemos morrer de fome antes de receber a farinha". Será esse o nosso destino?

Por que escrevo isto? É em razão do tresloucado gesto que, no dia 5 de abril, numa escola de bairro do Rio, matou 12 estudantes. Já se fizeram um sem-número de análises. Todas as medidas propostas têm sentido. Mas não se vai ao fundo da questão. A dimensão assassina habita em cada um de nós. Temos instintos de agredir e matar. É da condição humana. A sublimação e a negação dessa realidade não nos ajudam. Importa assumi-la e mantê-la sob controle. Freud bem sugeria: tudo o que cria laços emotivos entre os seres humanos, tudo o que civiliza, a educação e a arte trabalham contra a agressão e a morte.

Nós, cristãos, conhecemos a matança de inocentes ordenada por Herodes. Por medo de que Jesus, recém-nascido, mais tarde iria lhe arrebatar o poder, mandou matar todas as crianças nas redondezas de Belém.

Esse fato criminoso de Realengo não está isolado de nossa sociedade, montada sobre estruturas de violência. Nela, mais valem os privilégios que os direitos. Márcio Pochmann, em seu "Atlas Social do Brasil", traz dados estarrecedores: 1% da população (cerca de 5.000 famílias) controla 48% do PIB e 1% dos grandes proprietários detêm 46% das terras. Pode-se construir uma sociedade de paz sobre semelhante violência social?

O fato é que, em pessoas perturbadas psicologicamente, a dimensão de morte pode aflorar e dominar a personalidade. Elas não perdem a razão. Usam-na a serviço de uma emoção distorcida. O caso mais trágico, estudado minuciosamente por Erich Fromm em "Anatomia da Destrutividade Humana", foi o de Hitler. Desde jovem foi tomado pelo instinto de morte. No fim da guerra, ao constatar a derrota, pede ao povo que se mate como raça e destrua o mundo.

Cabe a Deus julgar a subjetividade do assassino de Realengo. A nós cabe condenar o crime. E compreender os mecanismos que nos podem subjugar. Não conheço outra estratégia melhor que buscar uma sociedade justa, na qual o direito, o respeito, a cooperação e a educação para todos sejam garantidos. O método nos foi apontado por Francisco de Assis em sua famosa oração: levar amor onde reinar o ódio, o perdão onde houver ofensa, a esperança onde grassar o desespero e a luz onde dominar as trevas.


Por Leonado Boff.

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