O psiquiatra italiano Roberto
Assagioli, fundador do movimento psicológico conhecido como Psicossíntese, uma
vez afirmou que a “normalidade é uma mediocridade que não admite ou até mesmo
condena tudo o que se encontra fora de suas normas e o considera como anormal
sem levar em conta que muitos comportamentos ditos como anormais são em
realidade começos ou tentativas para ultrapassar a mediocridade”.
Neste sentido, Herman Hesse,
escritor alemão que naturalizou-se suíço em 1923, condena a normalidade quando
diz que “não existe nada tão mau, selvagem e cruel, na natureza, quanto os
homens normais”.
Mas o que há de mau na
normalidade? A normalidade é o sintoma da mesmice, da repetição sem elaboração,
das atitudes sem propósitos, pensamentos padronizados, determinações,
normatividades e a total falta de questionamento ou reflexão. Doença que sempre
foi associada ao anormal, à disfunção, e em que o sujeito normal seria aquele
que melhor se adapta, constata-se que a normalidade em demasia é sim um
problema. Esta foi a conclusão a que chegaram os pensadores Pierre Weil,
psicólogo francês, Jean-Ives Leloup, filósofo, psicólogo e teólogo francês, e
Roberto Crema, psicólogo e antropólogo brasileiro, na década de 1980.
Foi do encontro dos três em um
simpósio em Brasília que surgiu o livro A Patologia da Normalidade, que
apresentou o conceito de Normose. Conforme Weil, a Normose pode ser definida
como um conjunto de normas, conceitos, valores, estereótipos, hábitos de pensar
ou de agir, que são aprovados por consenso ou por maioria em uma determinada
sociedade e que provocam sofrimento, doença e morte. Já para Crema, a pessoa
normótica é aquela que se adapta a um contexto e a um sistema doente, e age
como a maioria. Leloup complementa afirmando que a Normose é um sofrimento, a
busca da conformidade que impede o encaminhamento do desejo no interior de cada
um, interrompendo o fluxo evolutivo e gerando estagnação.
E eis que surge uma concepção
na qual considera o normal anormal e demonstra que a normalidade é mais do que
repetições, construções de hábitos e costumes, mas é, em determinados momentos,
uma falta de perspectivas, o afastamento, a mudança e negação às transformações
tão necessárias para que possamos viver. Isso não quer dizer que o normal é
ruim, mas o normal pode ser a estagnação, uma âncora, pés engessados e mãos
amarradas, e pior, o normal mantém uma equivocada mentalidade: “Mas está bom
assim mesmo” ou “as coisas são assim mesmo”, e por aí vai.
A Normose se aproxima da ideia
de mediocridade, uma das grandes moléstias da civilização. O medíocre é aquele
que flerta com o fracasso porque vive diante do empobrecimento de espírito, na
mesmice e considera o que faz suficiente e, muitas vezes, contamina aos que
estão em volta com a sua falta de possibilidades.
Mas engana-se quem considerar
Normose e mediocridade a mesma coisa. Embora intersecções existam, a Normose
ocorre quando o contexto social que nos envolve caracteriza-se por um
desequilíbrio crônico e predominante, ou seja, é uma epidemia histórica, com
passagens evidentes no percurso tortuoso das sociedades e nas transições
culturais. Era comum, por exemplo, pessoas se digladiarem até a morte para
entreter o público. Gladiadores eram muito respeitados pelo papel que exerciam
e pela eminência à morte. Foi também muito comum perseguirem pessoas
consideradas hereges, e levadas, sumariamente, à fogueira por contrariarem os
preceitos da Igreja, assim como era corriqueira a violência às mulheres,
considerando-as seres inferiores e meros objetos sexuais e de controle social
por uma sociedade patriarcal. Era muito normal que a cada invasão e conquista
de terras, os soldados estuprassem mulheres como uma recompensa pelo grande
feito. E ainda para citar fatos históricos normóticos, era normal fazer pessoas
trabalharem sem remuneração, submetidas aos castigos físicos, só pela cor da
pele, ou considerar que os gays era um grupo de risco na pandemia do HIV.
A mediocridade é o pensamento
formulado através do comportamento considerado normal. Racismo, a eugênica
social, homofobia e sexismo foram e são preconceitos que se fixaram na
sociedade por serem considerados aspectos normais na construção desta
sociedade. A Normose diminui, altera, camufla e distorce a perplexidade dos
fatos, tornando-os, com o tempo, algo habitual. A questão complica-se quando o
hábito passa a ser tradição e, assim, já sem efeito de reflexões ou passível de
indagações, é intocável.
Enquanto que a Normose é a
apatia do pensamento, a mediocridade é a castração das emoções, da iniciativa,
do desejo, do espírito e do conhecimento. O normótico considera normal a
sensação de estranhamento, que para ele não é estranho, mas que no outro causa
indignação e necessidade de promover mudanças. Para ele, a insatisfação é
inerente. Muito embora seja regido pela aceitação, logo reprime o próprio
movimento de metamorfose. Acomoda-se com aquilo que chama de conquista e parece
viver esperando que algo mágico aconteça no mundo, no Universo e que resvale
nele. O normótico não forma opinião, mas segue a da maioria, o detalhe é que
ninguém precisa ser “do contra” para formar uma opinião, mas no mínimo, o
contra precisa ser considerado. A mediocridade está em manter a atrofia mental.
Ainda persiste a ideia de que a
mulher é propriedade ou objeto sexual do homem, relacionamentos amorosos
pautados na crença de que só se é feliz se existir outra pessoa e na
expectativa do amor romântico e que o sexo é sujo e pecaminoso. Acredita-se
muito ainda em valores demagogos e hipócritas que se baseiam na aparência, na
ostentação e status. Modelos educacionais falidos e enfadonhos que padronizam
os alunos ao invés de favorecer a autonomia deles. É a insistência da cultura
da censura que quer calar vozes que emergem das repressões do passado, a
Normose é resultado da massificação, a sombra como a única imagem refletida na
parede, que não deixará de existir, mas que cria também oposição à medida que
olhamos para dentro de nós mesmos.
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