"Quem
não sabe o que procura não percebe quando encontra" (frase atribuída a
Augusto Comte)
A humanidade levou milênios até conquistar um "direito
acusatório" - em oposição ao "direito inquisitório". No entanto,
porque convivemos com ele desde que nascemos, tratamo-lo como banal e até mesmo
com desprezo. Que diferença há entre um e outro?
Romances históricos, filmes e historiadores retratam o que se vulgarizou
como "inquisição" (Idade Média). Grosso modo, bastava uma pessoa ser
acusada de bruxaria para ser condenada à morte. O poder, concentrado nas mãos
do clero, encarregava-se de apresentar provas, acusar, julgar, condenar, e, num
requinte de elegância, delegava a execução ao estado. Jamais se saberá quantos
inocentes foram supliciados nesse regime, quantas condenações sem prova,
quantas mulheres (mais que homens) punidas em sua sensibilidade. Era o direito
inquisitório, sem discussão, sem defesa.
Mas, mediante muito sofrimento, a humanidade conquistou uma nova ordem
jurídica: direito de defesa, estado-juiz, decisões impessoais. É o chamado
direito acusatório, em que órgãos diferentes cumprem funções distintas. Na área
penal (mais fácil visualizar), a polícia produz provas, o Ministério Público
(acolhendo-as) acusa, o advogado defende e o Judiciário julga.
Tal divisão de
funções favorece a imparcialidade e garante ao acusado o direito ao
contraditório e à ampla defesa. O estado, através do Judiciário, é o terceiro
imparcial que decide - uma inestimável conquista da democracia.
Contudo, ora por ignorância, ora por má-fé, a cada tanto aparecem
ideologias que pretendem extingui-lo. Muito grave: emolido o direito
acusatório, restará o inquisitório, Como na Idade Média, como nos regimes
totalitários e nas teocracias islâmicas (sem liberdade).
Pequeno exercício de imaginação ajuda a compreendê-lo. Eis uma hipótese:
um inocente sendo acusado para proteger o verdadeiro autor de um delito. O
Ministério Público acusa. O advogado oferece a defesa técnica, derrubando
provas falsas, apontando contradições da acusação, mostrando inexistirem
elementos para condenar. E o Judiciário, terceiro imparcial, é a garantia
democrática, afastando vícios e julgando conforme as evidências do processo.
Será um sistema perfeito? Não, porque os homens são imperfeitos.
Aliás, existe estreita relação entre a qualidade do direito praticado e
o padrão ético da sociedade. Todos os órgãos envolvidos podem ter vícios. A
questão é: como suprimir vícios e aprimorar o direito? O mais pessimista, se
honesto, admitirá que temos ao menos o esboço de um bom sistema jurídico e
pensará em preservá-lo.
O mais sensato compreenderá o valor intransferível de democratizar as
instituições, melhorando o sistema jurídico pela afirmação dos valores da
democracia - a começar pela transparência e pela intransigente observância de
nosso ordenamento jurídico.
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