Deparei-me uns dias
atrás com o seguinte provérbio islandês: “Para dançar é preciso mais que um par
de sapatos bonitos”. Chamou-me ele a minha atenção pela sua
singularidade. Fugia, no meu modesto modo de entender os provérbios, a lisura
proverbial. Ele escondia algo intrigante!
Aos poucos o
intrigante, na medida que o conteúdo nele anunciado aparecia sempre mais claro,
ficou restrito mais na sua parte formal. Em termos de conteúdo, o que ele tem a
proclamar?
Valoriza-se na
cultura hodierna demasiadamente a dimensão do “material ” em
detrimento da dimensão “espiritual”, a dimensão do “natural” em detrimento da
dimensão do “sobrenatural”, a dimensão do “transitório” em detrimento da
dimensão do “eterno”.
Quando tenho mais
“materialmente”, então posso mais “naturalmente” e, por isso, aproveito-me mais
do “aqui e agora”. É a idolatria do ter mais em vez de ser mais, do poder mais
em vez de servir mais e do se aproveitar mais em vez do se
doar mais. Chega-se à ilusão que a felicidade consiste no
simples ter mais, para poder mais, para se aproveitar mais!
O provérbio
islandês mostra claro que a dimensão do “material”, a dimensão do “natural” e a
dimensão do “transitório” não é tudo. É preciso o
envolvimento humano-divino como todo, logo , também a dimensão
do “espiritual”, a dimensão do “sobrenatural” e a dimensão do “eterno” devem
ser contempladas. A pessoa humana, por ser criada “à imagem e à semelhança
divina” é “matéria” e “espírito”, é “natureza” e “sobrenatureza”, é
“transitoriedade” e “eternidade”. Sua realização plena só concretiza-se quando
todas as dimensões são atendidas.
Acresce-se a este
grande conteúdo um pequeno aspecto a mais que o provérbio deixa transparecer:
“É preciso mais que
um par de sapatos bonitos para dançar” significa cultivar atitudes pessoais
humano-divinas como a disciplina, o empenho, o exercício e a arte. Como faltam
estas atitudes hoje! Elas exigem envolvimento contínuo e
total.
Continuidade é algo estranho numa cultura atual de descontinuidade e
totalidade é algo estranho numa cultura atual de parcialidade. Tudo é
descontínuo e parcial... peculiaridade do mero “material”, do
mero “natural” e do mero “transitório”. Mas com isso acabamos de não “dançar”:
o gozo de uma realização humana plena.
Aprender a “dançar”
precisando mais que “sapatos bonitos”: eis o desafio do mundo hodierno!
por Dom Jacinto
Bergmann.
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