Se você está com
problemas emocionais, reflita bem se é o caso de consultar um psiquiatra: as
chances de você sair da consulta com uma receita de antidepressivo são enormes,
quase inevitáveis. Não necessariamente por que precise disso.
“Estamos vivendo
uma epidemia de doença mental”, diz o pediatra Daniel Becker, uma das vozes
mais ativas contra a prescrição crescente dessa medicação. “Pela primeira vez
na história há um aumento paralelo do número de medicamentos e do número de
doenças, quando deveria haver uma redução”, diz ele.
A indústria dos
antidepressivos é uma das mais prósperas no Brasil. Aqui, a venda da medicação
subiu 48% nos últimos cinco anos, segundo a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) com base em dados do IMS Health, instituto que faz auditoria
do mercado farmacêutico. Em 2012, foram vendidas 42,33 milhões de caixas, o que
significa que, em média, um em cada cinco brasileiros consumiu uma caixa por
ano.
Muitos médicos
denunciam o que se chama de “medicalização da vida” — uma tendência de tratar
com remédios qualquer tipo de emoção humana. Há um comportamento generalizado,
às vezes dos próprios pacientes, em recorrer aos antidepressivos para tratar
qualquer tipo de sintoma “da alma”, como enxaqueca, obesidade, fibromialgia,
ejaculação precoce, síndrome da fadiga crônica e até tristezas que podem ser
consideradas absolutamente comuns. Essa tendência seria, para alguns
médicos, o fruto de uma relação promíscua entre psiquiatras e laboratórios,
chamada de biopolítica, ou, de maneira mais dura, ”farmacopornografia”.
A questão
repercutiu na reformulação do DSM (Manual de Estatísticas e Diagnósticos), da
APA (Associação Psiquiátrica Americana), a publicação mais importante da
psiquiatria, que lista diferentes categorias de transtornos mentais e critérios
para diagnosticá-los. Um grupo de trabalho da instituição, conduzido por Lisa
Cosgrove, eticista da Universidade Harvard, concluiu que 69% dos pesquisadores
responsáveis pela edição do manual estão comprometidos com a indústria
farmacêutica.
“Há uma tendência a
catalogar os comportamentos e afetos humanos e através de um conluio sutil,
talvez não tão consciente, entre a indústria farmacêutica e a psiquiatria, e
desenvolver uma medicação adequada a cada um deles”, diz Becker. Em 2012, os
antidepressivos faturaram R$ 1,85 bilhão no Brasil.
A GlaxoSmithKline,
uma das maiores multinacionais farmacêuticas, decidiu recentemente não pagar
mais viagens e palestras a médicos para a promoção de seus medicamentos. É uma
decisão inédita, que contraria uma prática conhecida e adotada por todos os
laboratórios. O motivo principal dessa deliberação do laboratório britânico são
as investigações realizadas na China em torno de remunerações feitas a doutores
para conferências e palestras que nunca ocorreram.
É verdade que os
antidepressivos são fundamentais para o tratamento de quem realmente sofre da
doença — calcula-se que um milhão de pessoas se suicidam por ano em todo o
mundo, o que poderia ser evitado com a medicação correta. Mas não se pode
“curar” com remédios aquilo que é da natureza humana. Está na hora de deter a
farmacopornografia.
Comente este artigo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário