quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Bengalas da alma

Dia 20 de outubro completei dois meses sem cometer grosserias. Luta árdua e boa. Estou fazendo como fazem os drogados: anoto os dias sem droga e a droga, neste caso, é aquela brutalidade oriunda das profundezas do eu que se manifesta no trânsito e outras situações de conflito. Dois meses de firmeza, mas sem grosseria.


O mais importante foi passar a acreditar na eficácia da paz, que é um difícil estado de espírito, interior e exterior. A paz não é água com açúcar. Praticá-la é mais difícil que deixar o rio da grosseria correr solto nas curvas do nosso eu.

Dois meses. Estou feliz por isso. Pode ser que eu tropece de novo no degrau invisível da grosseria, porém, ao menos agora eu sei que este degrau não me leva para cima, ele apenas me faz tombar. Por isso, mantenho sempre viva a memória do tombo, no terreno vergonhoso dos escombros, terreno fértil, terra, húmus (humildade), pista de onde podemos decolar seguros para o amor útil, livre das toxinas do ódio que muitas vezes transformam o amor em terror.

O amor é exigente, é amigo da paz e ensina que é preciso quebrar as bengalas da alma, se livrar das toxinas da posse que transformam os outros em objetos de compensação de nossos reais ou imaginários déficits de afeto. Não se apoiar em nada, nem em ninguém, aprender a ficar em pé sozinho, pelo lado de dentro da alma. Não usar os outros como bengalas. Nesta liberdade, sem posses, o amor se livra da grosseria.

Amar, então, em vez de querer ser amado. Assim, somos amados e nos amamos, nesta solidão criativa, plena de relação, onde o amor livra-se das toxinas do apego, da posse, do ódio, da manipulação afetiva do outro, da outra, usado, usada, como se ele fosse meu, como se ela fosse minha.

Por: Fábio Régio Bento, sociólogo.

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