quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Memória e trauma na infância

"A memória é o meio pelo qual mantemos e acessamos nossas experiências passadas para usar informações no presente." Analisando esta frase podemos nos questionar sobre como o trauma influencia na consolidação da memória?

Entre as experiências traumáticas mais comuns, em crianças e adolescentes, associadas com o desenvolvimento de transtornos após eventos estressores traumáticos estão às situações de maus-tratos. Atualmente ocorre uma necessidade de direcionar esforços a fim de caracterizar o perfil neuropsicológico desta população, e detectar sinais que identifiquem precocemente o risco para o desenvolvimento de sequelas cognitivas, comportamentais e emocionais. Com relação a alterações neuropsicológicas, a literatura demonstra que em adultos que desenvolveram TEPT (Transtorno do Estresse Pós-traumático) evidenciaram-se alterações na concentração, aprendizagem e memória, relatando a falta de estudos em funções cognitivas de crianças com TEPT. Em um estudo realizado por estes mesmos autores, em 14 crianças que vivenciaram situações traumáticas e desenvolveram TEPT (em comparação a um grupo controle sem TEPT), identificaram-se alterações cognitivas nas áreas de atenção e funções executivas, e através deste estudo, concluíram que embora baseados em um pequeno número de indivíduos estudados, os resultados apoiam as diferenças cognitivas entre crianças com e sem maus-tratos.

Para relacionar Trauma (maus-tratos) e Memória se faz necessário primeiramente entender um pouco sobre memória. O encéfalo não armazena propriamente registros sobre fatos, mas sim traços de informações que serão usados para reconstruir as memórias, nem sempre representando um quadro fiel ao que foi vivenciado no passado. Para executar este processo, diferentes partes do encéfalo codificam, armazenam e recuperam as informações que serão usadas para criar memórias.

Indivíduos em desenvolvimento e que sofrem maus-tratos podem consolidar um repertório de respostas não condizentes a uma determinada ocasião, tendendo generalizar para outras situações. Estas memórias consolidadas podem propiciar o desenvolvimento de crenças distorcidas sobre si mesmo o que resultará em pensamentos e comportamentos disfuncionais, influenciando diretamente em seus sentimentos o que poderá estar relacionado com transtornos psiquiátricos.

Todas nossas vivências são carregadas de emoções, sendo consenso na literatura de que quanto mais carregada emocionalmente for a memória, maiores são as chances de que ela venha a ser recuperada no futuro, porém, é importante que sejam levadas em considerações questões maturativas. Santos no ano de 2006 descreveu que eventos traumáticos vividos antes dos 18 meses não são acessíveis verbalmente, já entre 18 meses e 30 meses são relatados de forma fragmentada e com aumento de erros no decorrer do tempo. A partir dos três anos, as crianças passam a realizar relatos coerentes de suas experiências podendo reter estas memórias por períodos de tempo mais longos.

Em sua tese de mestrado Grassi-Oliveira (2007) relatou que maus-tratos contra crianças incluem atos tão variados quanto abuso sexual, abuso físico, abuso psicológico e negligência; as "cicatrizes biológicas" deixadas por estes atos acompanham os danos psicológicos, implicando numa necessidade de se reconhecer os efeitos desses maus-tratos no desenvolvimento neuropsicológico.

Não se pretende aqui chegar a alguma conclusão, todavia estudar sobre este tema suscita alguns questionamentos: (1) outras formas de maus-tratos como abuso físico e negligência têm sido apontados como os mais comuns, todavia existe carência em torno do desenvolvimento de trabalhos para prevenção destes maus-tratos; (2) em uma pesquisa citada por Kristensen e Schaefer (2009) a figura do agressor mais frequente, considerando todas as modalidades de maus-tratos, foi a mãe, infelizmente não é possível retirar fragmentos de nossas memórias, podemos suprimi-las ou ainda resignifica-lás através de psicoterapias. Em suma, são grandes os avanços em torno do processamento de memórias e as influencias que os maus tratos produzem sobre estas; por outro lado é carente estudos sobre prevenção, pois se sabe que pessoas que abusam possivelmente também foram abusadas um dia.

Cibila de Fátima Vieira Dertelmann, mestranda em Psicologia/PUC-RS e professora da escola de psicologia da Imed - Passo Fundo, RS.

"O passado contém o acervo de dados, o único que possuímos, o tesouro que nos permite traçar linhas a partir dele, atravessando o efêmero presente em que vivemos, rumo ao futuro," Iván Izquierdo

(destaque da autora)

Um comentário:

  1. Tem uma mensagem especial para você no Cineplaneta e também um selo de agradecimento.

    Para você e a todos do diHITT, segue uma letra que traduz o meu sentimento.

    "Amigo a coisa para se guardar
    Debaixo de 7 chaves,
    Dentro do coraao,
    assim falava a canao que na Amarica ouvi,
    mas quem cantava chorou ao ver o seu amigo partir,
    mas quem ficou, no pensamento voou,
    o seu canto que o outro lembrou
    E quem voou no pensamento ficou,
    uma lembrana que o outro cantou.
    Amigo a coisa para se guardar
    No lado esquerdo do peito,
    mesmo que o tempo e a distancia digam nao,
    mesmo esquecendo a canao.
    O que importa a ouvir a voz que vem do coraao.
    Seja o que vier,
    venha o que vier
    Qualquer dia amigo eu volto pra te encontrar
    Qualquer dia amigo, a gente vai se encontrar."

    Milton Nascimento


    abs
    Paulo Araujo
    cineplaneta.blospot.com

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