Há mais de duas décadas, a cada
janeiro, boa parte dos brasileiros fica diante da televisão para assistir a
anônimos que, basicamente, compartilham sua intimidade. Falamos, claro, do
programa Big Brother Brasil, reality show criado
pela empresa holandesa Endemol que se
baseia na exposição da convivência de pessoas anônimas e, mais recentemente, de
famosos.
Independentemente da opinião que se
tenha sobre esse tipo de programa, a verdade é que os brasileiros adoram reality
shows. Para se ter uma ideia, o Brasil é um dos países em que o formato
do Big Brother foi mais bem-sucedido. Na estreia do BBB
22, a Globo registrou 28 pontos de audiência em São Paulo e 30 pontos no
Rio de Janeiro. São números muito expressivos para um programa exibido há tanto
tempo e com uma fórmula tão simples.
Mas o sucesso do Big Brother Brasil diz mais a respeito do brasileiro
do que pode parecer. Por isso, discutiremos aqui a questão: por que gostamos
tanto de reality shows?
O que é um reality
show?
(Fonte: Record)
Programas reality shows se sustentam em uma premissa básica:
não são produtos de ficção, não criam um universo imaginado — típico, por
exemplo, das novelas. Os personagens desse tipo de programa são pessoas que “representam
a si mesmas”, ou seja, estão lá com seu nome real e sua história.
Mas o mais essencial desses programas
é que eles prometem captar coisas que outros programas não conseguem: as
interações “não ensaiadas”, como se as pessoas que participam neles estivessem
sendo filmadas em suas casas, ou em lugares em que estão relaxadas, e não
diante de uma emissora de TV. Não por acaso, em programas como BBB,
os participantes ficam meses confinados — a ideia é que eles cansem dos
“papéis” que gostariam de representar para o público e comecem a se mostrar
como realmente são.
Uma tradição
nacional
(Fonte: SBT)
Se você é jovem, possivelmente não
acompanhou os reality shows mais antigos que estrearam no
Brasil no início dos anos 2000. O primeiro programa nacional neste estilo se
chamava Vinte e poucos anos, e era uma produção da MTV Brasil — uma
versão tupiniquim do reality show The Real World, da MTV
americana. 2000 também foi o ano em que a Globo lançou No Limite,
competição de provas de resistência — que também era uma franquia do
programa Survivor.
A estreia dos reality
shows de convivência também foi marcada por uma disputa. A Globo havia
comprado os direitos da franquia Big Brother, mas o SBT estreou um
programa com a mesma lógica, chamado Casa dos Artistas, em 2001 —
antes que a Globo estreasse sua nova atração. O resultado foi que a Globo
processou a rival e conseguiu a suspensão temporária do reality show do SBT.
Mesmo assim, o programa foi até o fim e teve novas temporadas até 2004.
Desde então, muitos outros reality
shows foram criados pelas emissoras. Dentre eles, destacam-se A Fazenda e Power
Couple Brasil, da Record; os reality shows culinários,
como MasterChef Brasil, da Band, Mestres do Sabor, na
Globo, e Bake Off Brasil, no SBT, além de outras atrações
menos conhecidas.
E por que
gostamos tanto destes programas?
(Fonte: Band)
Mesmo com essa tradição, para muita
gente, ainda resta a dúvida: por que os brasileiros continuam gostando tanto de reality
shows? As possíveis respostas a essa pergunta são várias. O fenômeno,
aliás, já foi estudado por muitos pesquisadores, por diferentes óticas.
"Tudo que envolve o processo de
produção de um reality show é pensado para satisfazer as
necessidades e desejos do consumidor", comentou a professora Mariana
Munis, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em entrevista à BBC. "As
provas precisam ser emocionantes, os participantes devem ser pessoas muito
diferentes entre si para causar conflito e até mesmo o tempo de duração do
programa é planejada para que haja uma história envolvente, com começo, meio e
fim".
Já o professor Elmo Francfort, da
Universidade Anhembi Morumbi, enxerga proximidade deste tipo de programa com o
consumo feito das novelas. "Os realities conservam um
elemento que era central aos folhetins e que também foi herdado pelas novelas
que é a imprevisibilidade. Os brasileiros foram fisgados pelos sentimentos de
curiosidade e antecipação despertados por esse gênero e adoram torcer pelos
personagens, sejam eles fictícios ou reais", explicou à BBC.
Vale dizer também que o aspecto
"conversação" é um dos grandes trunfos da edição brasileira — isto
porque o programa se estende para além da televisão e vira tema de conversas
cotidianas entre as pessoas. Não é possível desconsiderar que o fator de crise
financeira tenha influência, pois há uma vasta camada da população que não tem
dinheiro para outros tipos de entretenimento para além da TV aberta.
"A crise econômica, o desemprego
e o ainda limitado acesso de parte da população à banda larga de qualidade
explicam essa situação. Diante de um mercado de TV por assinatura em declínio,
perdendo espaço para plataformas de streaming, quem dita as
conversas ainda é a TV aberta", escreveu Maurício Stycer na Folha de São
Paulo.
Maura Martins.
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