Entenda os dilemas
que um ansioso crônico tem de enfrentar todos os dias
Transtornos mentais como a depressão estavam entre as 20
principais causas de incapacidade ao redor do mundo em 2014, de acordo com a
OMS (Foto: Pixabay)
O que você faria se seu coração acelerasse de repente, se você
não conseguisse parar de tremer ou se tivesse dificuldade de respirar? Você
iria ao médico, tomaria um remédio? E o que faria se tivesse a sensação de que
iria morrer? Estes são alguns dos possíveis dilemas de quem sofre de problemas
relacionados com a ansiedade crônica.
Se você andar numa floresta e der de cara com uma cobra, seu
corpo vai entrar em estado de alerta, o que provavelmente vai lhe causar um
desconforto. Esta é uma ansiedade normal e esperada. Mas quando não há
estímulos externos que ofereçam perigo e mesmo assim o desconforto tende a se
repetir, esta ansiedade pode estar se tornando um transtorno, segundo explica o
psiquiatra e psicanalista Sergio de Almeida, membro da Sociedade Brasileira de
Psicanálise do Rio de Janeiro.
Segundo um levantamento do World Bank Group com a Organização
Mundial de Saúde (OMS), 416 milhões de pessoas sofriam de depressão ou de
ansiedade crônica em 1990, só que este número subiu para 615
milhões em 2013. No entanto, este número pode não estar relacionado com a
incidência de casos, mas com o acesso à informação e ao diagnóstico do
problema.
Segundo o psiquiatra, os transtornos relacionados com a
ansiedade não são novidade. Mas como temos maior facilidade ao acesso de
informações, ele se tornou mais discutido. “O que vai caracterizar o perigo da
ansiedade não é só a repetição, mas as consequências que ela vai causar ao
organismo da pessoa. O desconforto repetitivo vai engendrar reações orgânicas,
ora pressão alta, ora o desencadeamento de um quadro diabético, ora o
desencadeamento de uma dor de cabeça”. A ansiedade pode, então, gerar vários
tipos de transtornos como o transtorno geral de ansiedade (TAG), atos fóbicos,
quadros de evitação e transtornos do pânico.
Diminuição de produtividade
Transtornos
mentais como a depressão estavam entre as 20 principais causas de incapacidade
ao redor do mundo em 2014, de acordo com a OMS. Segundo o
levantamento do World Bank Group com a OMS, o custo de perda de
produtividade no ambiente de trabalho por conta da depressão e da ansiedade
crônica é de US$ 1 trilhão por ano (mais de R$ 3,5 trilhões segundo o câmbio
atual). A maioria destas pessoas não recebe tratamento adequado e com isso elas
ficam incapacitadas de trabalhar, diminuem sua produtividade e faltam ao
trabalho. Enquanto isso, o governo recebe menos impostos e gasta mais com a
saúde e o bem-estar.
De acordo com dados do
Ministério da Previdência Social, apenas em março deste ano, mais de três mil
pessoas receberam auxílio-doença por problemas relacionados com a ansiedade. Segundo o
World Bank Group e a OMS, apenas 3% dos gastos mundiais vão para a saúde
mental. Só que segundo um artigo
publicado no The Lancet Psychiatry em abril, baseado em dados do Global Burden of Disease 2010, investir
no tratamento para a depressão e a ansiedade leva a um retorno quatro vezes
maior.
O psiquiatra lembra que ninguém está isento da ansiedade crônica
ou de seus possíveis transtornos. “Dentro do indivíduo pode haver fontes
ansiogênicas muito grandes. Às vezes é um pensamento, uma lembrança, um desejo.
E isso pode ser uma fonte de angústia muito difícil de ser suportada”.
Segundo a psicanalista Miriam Tawil, membro da Sociedade
Brasileira de Psicanálise de São Paulo, há certo exagero em dizer que a
ansiedade é o mal deste século, porque isto sempre existiu. “Hoje as relações
são mais líquidas. Com a tecnologia, os vínculos humanos podem ser mais
frágeis.
A relação muitas vezes é vista como uma ação na bolsa de valores e
saímos e entramos nelas conforme os ‘lucros’. Só que as dores e lutos de entrar
e sair de relacionamentos são muito sofridos e aí há um aumento de
ansiedade.” A psicanalista lembra que entre as consequências da ansiedade
crônica, a pessoa pode perder parte de sua autoconfiança, pode ter uma
expectativa pessimista, uma ideia aflitiva permanente ou uma ansiedade
relacionada ao corpo.
Mas o que você pode fazer se esta angústia estiver se tornando
um problema na sua vida? Sergio de Almeida diz que é essencial consultar um
profissional competente. Além disso, exercícios físicos também podem ajudar a
aliviar a ansiedade. “O organismo se vê inundado por químicas cerebrais
chamadas neurotransmissores. As atividades corporais são vias auxiliares para
que esta energia que está solta no organismo, causando mal estar, possa ter
outros encaminhamentos”.
“Fica calmo!”
Dizer para uma pessoa em crise para ela se acalmar adianta? Uma
pessoa pode dizer “fique calmo” de várias formas, tentando censurar a pessoa,
tentando ouvi-lá ou até mesmo tentando reprimi-la. “Eu não ligo muito para
aquilo que é dito nestas horas, mas como é dito. É fundamental que você ofereça
para a pessoa que está ansiosa, portanto com um medo terrível e avassalador,
uma atmosfera de segurança. Não importa o que você vai dizer, às vezes, só um
abraço ou um olhar já ajuda mais do que dizer ‘fica calmo’ ou outra coisa”,
explica o psiquiatra.
Nina*, de 26 anos, é universitária. Ela saiu da casa dos pais em
São Paulo para morar sozinha e estudar no Rio de Janeiro. Ela tinha uma rotina agitada,
trabalhava 8h por dia e assistia aulas, na faculdade, todos os dias no turno da
noite. Nos finais de semana, ou ia ver a família ou fazia os trabalhos da
faculdade. Mas, em 2015, ela começou a sentir coisas que iam além de seu
controle.
Em um dia normal de trabalho, Nina não se sentiu bem. Ela achou que
sua pressão tivesse subido muito e começou a chorar. Nina foi para o hospital,
onde a médica afirmou que sua pressão estava normal. Depois de receitar um
calmante, a médica pediu para que ela procurasse um psiquiatra. Foi assim que
Nina descobriu seu problema com a ansiedade. “Eu passei muito mal, achei que
fosse morrer”. O psiquiatra receitou remédios, mas ela não queria tomá-los.
Tomou um dos três que haviam sido receitados e depois parou por conta própria.
“Só que às vezes a crise volta”. Nina procurou então um psicólogo com quem se
consulta de 15 em 15 dias até hoje.
Ela conversou com a mãe e com a irmã sobre
o assunto, mas elas não deram muita importância. “Acho que o que ocorre é que
as pessoas não têm muita noção que isto precisa de tratamento”. Aconteceu a
mesma coisa quando ela explicou para o chefe o que teve. “Ele não entendeu,
achou que era frescura minha”.
Amanda*, de 19 anos, teve sua primeira experiência com a
ansiedade crônica ainda na escola. Ela estava indo para o Ensino Médio, havia
pressão para passar no Enem e para decidir qual curso faria na faculdade. “Eu
comecei a perceber que eu não respondia [às pressões] de um modo saudável como
as outras pessoas”. O problema não ficou só na escola, foi também para a vida
pessoal de Amanda.
Só que ela tinha medo de procurar ajuda por achar que
ninguém a levaria a sério. Depois de quase três anos, Amanda contou para sua
mãe o que estava acontecendo. Ela pediu para que a mãe mantivesse o assunto em
segredo. “Meu pai acha que não existe ansiedade e depressão”. Ela queria ir a
um psiquiatra, mas a mãe recomendou que fosse primeiro a um psicólogo.
Amanda
teve uma experiência ruim, ouviu do então profissional que ela estava
exagerando, de que tudo aquilo era normal. “Eu não acho normal você não
conseguir sair da cama para fazer tarefas básicas”. Ela então foi ao
psiquiatra. Depois de dois anos de tratamento, Amanda recebeu alta. “Crises, eu
ainda tenho, não é uma coisa que se cura, mas que diminui e com a
qual você aprende a viver”.
Diego*, de 24 anos, sempre se considerou uma pessoa ansiosa. Só
que na faculdade, ele começou a perceber que não estava conseguindo realizar
tarefas cotidianas. Ele tentou se controlar, suspeitava de um possível
diagnóstico, mas só procurou ajuda quando viu que a situação estava
insuportável. Ele foi ao psicólogo, que o recomendou um psiquiatra. Seu
diagnóstico era o mesmo de sua suspeita: transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).
Diego sentia a necessidade extrema de cumprir determinados rituais como checar
inúmeras vezes se a porta estava fechada.
Como consequência disso, tinha
estresse excessivo, que o deixava com dor de cabeça e irritado. O remédio
receitado pelo médico o ajudou a controlar o sentimento de culpa quando não cumpria
uma das tarefas dos seus rituais. Ele conversou com os pais sobre o assunto,
mas a mãe dele até hoje não entende. “Ela acha que isso não é um problema como
diabetes, por exemplo, mas é”. Diego está em tratamento há quatro anos.
Não bastam os sintomas nem a angústia, muitas pessoas que sofrem
com a ansiedade temem o rótulo que podem receber da sociedade ao ter que ir ao
psiquiatra ou ao ter que tomar remédios. O preconceito ainda é uma realidade.
Como os casos de ansiedade estão sendo mais discutidos, principalmente, nas
redes sociais e nos meios de comunicação, as pessoas se sentem mais
confortáveis para compartilhar seus sentimentos.
Ninguém está isento a questões
como estas, como explicaram os especialistas, por isso buscar a ajuda de um
profissional qualificado é a melhor forma de enfrentar seus piores monstros.
*Nomes fictícios foram utilizados para preservar as identidades
das fontes.
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