sexta-feira, 17 de maio de 2024

Insegurança Alimentar na Educação Superior: Desafios para a Permanência Estudantil

 

Durante décadas no Brasil o acesso à educação Superior era restrito às famílias denominadas

nobres, ou seja, aquelas que tinham recursos financeiros para garantirem a seus herdeiros

acesso e permanência no ensino superior, (quase sempre localizado nas capitais e grandes

centros urbanos). Conforme Teixeira (1989), saímos de 24 escolas de ensino superior em 1900

para 375 em 1968. Já em 2020, conforme Censo da educação superior, foram registradas

2.456 instituições com um total de matriculas de 8.680.354 (INEP/MEC, 2022).

O avanço das matriculas na educação superior pública se deu entre os anos 2000 e 2010.

Conforme Barros (2015), as matrículas mais que dobraram no período. Programas como

Universidade Para Todos e Reuni possibilitaram a descentralização das IES para cidades do

interior, diversificando os tipos de cursos e períodos de realização.

As camadas mais pobres da população brasileira, que até então não tinham recursos para o

deslocamento e permanência em cidades distantes de suas origens e familiares e cuja grande

parte, para sobreviver, necessitava trabalhar e ajudar nas despesas familiares, começava a

vislumbrar a possibilidade de ingressar no ensino superior.

A democratização do acesso (cotas/reservas de vagas) às universidades públicas, somada ao

processo de descentralização das instituições, trazendo-as para mais perto de seus locais de

origens, contribuiu para que um significativo número de aluno(a)s das camadas populares

ingressassem em uma universidade pública, apesar da maioria das matrículas ainda estarem

na iniciativa privada.

Após duas décadas dessa política de ampliação de vagas e de democratização do acesso,

originários da educação básica pública, negro(a)s, indígenas, quilombolas, pessoas com

necessidades educativas especiais na educação superior passaram a integrar a paisagem das

universidades públicas dando a sensação de que, finalmente, o ensino superior era de todos e

para todos . Grande engano!

Além da garantia do acesso, era preciso se pensar urgentemente em políticas de permanência

e de sucesso no ensino superior para esses grupos tradicionalmente excluídos desse nível da

educação nacional. Mesmo sendo pública e gratuita, manter-se no ensino superior custa muito

caro. Alimentação acesso a material da reprografia, deslocamento, roupa, sapato, material

didático em geral, tudo isso tem um custo alto. Mal o(a)s estudantes das camadas mais

vulneráveis economicamente da população brasileira adentram às instalações das

universidades públicas e já percebem que não será uma trajetória fácil.

Conforme decreto 7.234/07/2010. “O Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes) apóia a

permanência de estudantes de baixa renda matriculados em cursos de graduação presencial

das instituições federais de ensino superior. O objetivo é viabilizar a igualdade de

oportunidades entre todos os estudantes e contribuir para a melhoria do desempenho

acadêmico, a partir de medidas que buscam combater situações de repetência e evasão”.

Com o sucateamento da educação superior em nível estadual e federal, “assistência à moradia

estudantil, alimentação, transporte, à saúde, inclusão digital, cultura, esporte, creche e apoio

pedagógico”, estão extintas ou minimizadas nas IES.

Dentre as dificuldades que enfrentam talvez as mais difíceis sejam a insegurança alimentar e o

cansaço.

 

Com o retorno às aulas presenciais após dois longos e difíceis anos da pandemia de Covid-19 e

durante uma das maiores crises econômicas que o país enfrentou nos últimos 27 anos, tem

sido comum encontrar discentes que após vivenciarem perdas da família, doenças físicas e

psicológicas chegam famintos à universidade e/ou, sem acesso á moradia próxima ao campus,

que precisam se levantar ainda de madrugada para garantir o transporte de sua cidade, só

retornam para lá quando a noite termina.

Como docente de uma instituição pública de ensino superior, percebo durante as aulas a

dificuldade de concentração desse(a)s jovens, o esforço que fazem para esconder sua

necessidade de se alimentar corretamente e a perda gradual de esperança em encontrar os

recursos mínimos para estarem ali.

Nesse contexto, o mínimo que a universidade pública que se quer democrática precisaria

garantir seria a manutenção de um autêntico restaurante universitário. Não estou falando de

uma cantina terceirizada que recebe da instituição vouchers para subsidiar a alimentação para

poucos estudantes. Estou falando de um restaurante mantido por recursos públicos com

alimentação subsidiada para todos e todas da comunidade universitária. Um restaurante cuja a

comida também refletisse a ciência que é produzida pela universidade, isto é,

saudável,diversificada, balanceada e segura.

Sem esse mínimo a universidade pública está fadada a não conseguir cumprir os seus

propósitos de permanência estudantil. Enquanto a luta pela satisfação das necessidades

básicas estiver maior do que as condições para o estudo estarão nós, enquanto universidades,

fracassando em produzir conhecimentos e emancipar a humanidade.

Em tempos de pós-pandemia e de crise econômica, pensar a segurança alimentar de nossa

comunidade universitária tornou-se fundamental para manter nosso(a)s estudantes na

universidade. E a fome não pode esperar!

É preciso que, enquanto coletivo, se faça algo agora! Pela imediata implantação do restaurante

universitário já! Contra os valores absurdos que contribuem e fortalecem a exclusão.

Prof. Dr. Reginaldo de Souza Silva, Departamento de Filosofia e Ciências Humanas,

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB/DFCH

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