As novas práticas de administração, que deveriam reconciliar o homem ao ambiente de trabalho, conduzem-no à luta sem quartel em busca de espaço.
As novas práticas de administração, que deveriam reconciliar o homem ao ambiente de trabalho, conduzem-no à luta sem quartel em busca de espaço.
Durante a
Guerra do Vietnam, os bonzos, sacerdotes budistas, ateavam fogo às vestes em
imolação pública de protesto contra a presença americana no território
vietnamita. Anos após, Robert McNamara, à época Ministro da Defesa dos USA,
diria: “A coragem impassível daqueles bonzos em chamas foi uma das mais
poderosas armas utilizadas contra nós no Vietnam”.
Recentemente,
o mundo assistiu atônito à eclosão da Primavera Árabe, que se iniciou no norte
da Tunísia com um jovem que ateou fogo às próprias vestes como ato de protesto
contra o regime totalitário prevalecente nos países islâmicos.
Não
resisto à comparação desses eventos históricos trágicos com a onda de
suicídios, estresse desmesurado, síndromes de pânico, inusitadas doenças
psicológicas profissionais que convivemos hoje no mundo das organizações e, é
claro, também aqui no Brasil, se bem que de forma ainda mais dissimulada, como
se esse drama não nos atingisse igualmente.
Bem,
compreendo, alguns dirão: “Mas que absurdo – as circunstâncias de uma guerra
boçal não se comparam à realidade vivida hoje no mundo das organizações
empresariais. Muito menos as razões que sublevam os jovens militantes islâmicos
contra situações políticas ditatoriais em tantos países do mundo árabe”.
Os
contextos são obviamente distintos. As devastações de uma guerra econômica,
como a que vivemos hoje na sociedade de mercado globalizada, irrestritamente
protagonizadas pelas organizações, não são de mesma natureza que as de um
conflito armado bélico ou de uma revolução política.
No
entanto, muitas das constatações das razões de pessoas que dão cabo às suas
vidas por causa do trabalho certamente expressam o desejo de denúncia da
realidade vigente no interior das organizações. É um ato indubitável de
denúncia! Um brado derradeiro em busca da tomada de consciência contra as
iniquidades crescentes praticadas no mundo do trabalho. Em verdade, um ato
final de libertação da neurose alucinante do trabalho moderno.
Esses
suicídios e sequelas nos conclamam a um basta à violência psicossocial
existente nas organizações, à loucura das reengenharias e das reorganizações
incessantes, um basta à busca desesperada de resultados a qualquer custo, um
basta ao sempre mais e mais, um basta ao disparate de trajetórias que nos levam
a lugar algum, se não ao nada e à devastação psicossociológica dos
trabalhadores assalariados.
As novas
práticas de administração, que deveriam reconciliar o homem ao ambiente de
trabalho, conduzem-no à luta sem quartel em busca de espaço, em que cada qual
objetiva alcançar mais e melhores vantagens, e, em vez da integração,
cooperação e boa interação pessoa-trabalho, levam-no à desilusão, ao desencanto
e à desesperança.
As
práticas de administração voltam a fazer da pessoa, trabalhador assalariado,
apenas mais um recurso descartável a serviço da rentabilidade empresarial.
Por quais
razões o mal-estar laboral é tão profundo ao passo que, historicamente, as
condições objetivas de trabalho nas organizações têm se aprimorando tanto? É
indiscutível a melhoria das proteções concretas do trabalho assalariado ao
longo do tempo, do trabalho do menor, da mulher, do idoso, dos portadores de
deficiência. A jornada de trabalho é reduzida substancialmente, as condições
físicas do exercício laboral são bem menos sacrificantes. Dispõe-se hoje de
todo um aparato cientifico tecnológico a minimizar as antigas agruras do
trabalhador manual dos tempos passados.
Mas se as
condições objetivas do trabalho são hoje bem mais confortáveis, as condições
psicossociais, subjetivas, com certeza se degradam exponencialmente, na
contramão do discurso oficialista das organizações de laudação de seus
“colaboradores”.
Esse fenômeno atinge a todos os tipos organizacionais, indistintamente – ao setor público e ao privado, às empresas submetidas à competição de mercado e as monopolistas, as grandes, pequenas e médias empresas, atinge como um todo a sociedade globalizada e a uma economia globalizada.
É
preciso, o quanto antes, compreender e erradicar as causas de tantos suicídios
e sequelas profissionais no mundo do trabalho. Fazer adequadas necrópsias e
autópsias psicológicas dos suicidas e dos sequelados pelo trabalho.
A
tomada de consciência de uma questão tão grave para a humanidade contemporânea
parece difícil de emergir. Mais ainda: para os dirigentes públicos, sindicais e
empresariais esta é ainda uma questão meramente secundária, restrita apenas á
dimensão acadêmica por ser inexpressiva no conjunto real da vida
organizacional. Alegam, os problemas que de fato os afligem são o emprego e o
desemprego.Questões distintas, é verdade, mais igualmente relevantes.
Como
analisar as mudanças que ocorrem no mundo do trabalho?Como compreender e
superar as violências, inquietações e sofrimentos que as mutações suscitam? Por
que razões os sintomas do mal estar no trabalho, como o estresse, suicídio,
depressões, fadigas, esgotamento profissional, burnout e síndromes se encontram
cotidianamente em campos de atividades empresariais tão distintos? Quais são as
causas mais profundas e sentidas do mal estar no trabalho na vida moderna? Por
que a insatisfação crescente dos assalariados não se expressa forte, solidária
e coletivamente nas distintas manifestações dos movimentos sociais em geral, e,
em particular dos sindicatos e associações profissionais?
As
respostas a essas questões estão longe de serem produzidas pelos seus mais diferentes
atores. Quando muito o que se obtém são avaliações parciais e limitadas, às
vezes até cínicas e hipócritas, dissimuladas. É preciso ir fundo às raízes das
suas causas, no sentido de erradicá-las.
Os
atos de denúncia desesperada dos monges budistas contribuíram decisivamente
para o fim da Guerra do Vietnam. O fogo às vestes dos jovens islâmicos
desencapsulou a Primavera Árabe.
Por
que a denúncia dos suicídios generalizados e das perversões psicológicas tão
graves nos assalariados em todo o mundo das organizações não desencadeia uma
atitude efetivamente proativa dos dirigentes empresariais, das associações
profissionais e sindicais e dos políticos comprometidos com o bem comum? O
silêncio de todos é cúmplice! Só contribui para o agravamento de uma nova
epidemia profissional – a neurose do trabalho moderno!
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