quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Mães, filhos e a globalização das drogas



Meus heróis morreram de overdose...
Cazuza

O neoliberalismo é um dos grandes culpados pela violência a qual o Brasil foi submetido e, especialmente, abriu as portas para drogas ilícitas mais baratas, fortes e viciáveis.

Explico. Desde o início da década de 1990, com a abertura comercial, nunca na história deste país havia se assistido uma massificação tão intensa quanto à dos produtos advindos da grande “indústria do prazer”.

A felicidade, então, se tornou um objetivo social a ser alcançado através do consumo de mercadorias enfatuadas de promessas de orgasmos mental e físico. Se bem que o encanto do açúcar e das guloseimas fast-foods foi somente o começo de uma nova era, aos poucos vieram os carros importados luxuosos, os eletro-eletrônicos úteis e inúteis, os acessos ao mundo livre da internet etc.

Daí que se acentuaram a ocorrência da obesidade mórbida, da emulação dos novos ricos e dos novos viciados em pornografia virtual, inclusive a infantil. Os jovens, por estarem se desenvolvendo junto a este dinamismo, foram e continuam a ser as principais vítimas destes excessos, é claro.

Ao mesmo tempo em que o mercado, circunspecto e impessoal, tomava conta da vida dos incautos cidadãos, o Estado saía de fininho da cena nacional, deixando para a concorrência privada e para o equilíbrio constante de preços, a responsabilidade de resolver todos os problemas da sociedade. Nas expectativas neoliberais, nada podia estar mais correto, sendo questão de tempo para saltarmos do subdesenvolvimento para o primeiro mundo desenvolvido. Entretanto, quando somente o sistema financeiro internacional continuou a ganhar dinheiro neste país, sugando todas as condições da economia palpável dar algum passo para frente, e toda a sociedade passou a ser apenas um apêndice da história recente do Brasil, começou-se a desconfiar que os governos neoliberais, de terno bem cortado e gel na cabeça, faziam parte do time adversário e havíamos realmente sido encaçapados na sinuca da globalização. Pedir socorro para o Estado, então, passou a ser pedir ajuda ao vácuo.

Com pouco Estado sobrou pouca política pública voltada para a dignidade humana. Hospícios foram fechados e os loucos voltaram para casa, de onde saíram para viver nas ruas das grandes cidades como cães sarnentos. Empresas foram privatizadas e enxugadas como se os seus funcionários fossem água de banho.

Os programas de demissão voluntária eram instalados em grandes estatais, induzindo funcionários públicos a saírem mercado afora abrindo e falindo empresas próprias para depois caírem em depressão profunda. Os idosos aposentados eram chamados de malandros pelo presidente da época, porque queriam melhorias em suas remunerações. A informalidade crescia, assim como o desemprego. O salário mínimo corria o risco de valer somente cem dólares pelas mãos de um tal senhor Malvadeza. Se o Brasil foi um dia ingênuo, perdeu tal caráter durante aqueles tempos.

Mas tudo isto acontecia ao mesmo tempo em que o prazer era um fim a ser atingido pelos indivíduos ou pelas famílias, por bem ou por mal. Se a década de 1980 foi a “década perdida”, a década de 1990 pode ser chamada de “a década da perdição”. Com sistema de segurança pública precário e não preparado para a entrada de tantos traficantes oportunistas das mais variadas drogas, floresceu o que há de pior em um mundo livre, a total barbárie em áreas deprimidas, com a incorporação na sociedade de um poder paralelo que até hoje faz vítimas. Sim, a indústria do prazer, vitoriosa no mercado liberal, com seus marketings voltados para o consumo absoluto e para a suprema satisfação dos fetiches, construiu colateralmente pontes para a busca do prazer ilícito, ou seja, criou uma demanda pela piração. E, como toda demanda determina a oferta, a busca insana por prazer cresceu ao mesmo tempo que a oferta alucinada de entorpecentes, quantitativa e qualitativamente.

É evidente que existe uma forte correlação entre o consumismo legal e o ilegal. O consumismo faz perder o equilíbrio financeiro e, independente se legal ou ilegal, é acompanhado por dívidas junto aos emprestadores de última hora. Assim como temos pessoas penduradas no cartão de crédito por conta da satisfação dos seus fetiches consumistas legais, encontramos pessoas penduradas nos bolsos de traficantes e agiotas, por conta da satisfação dos seus fetiches consumistas ilegais. A diferença é que o sistema financeiro cobra juros e aceita certa margem de inadimplência. Traficantes, não conseguindo o pagamento, pegam a pessoa inteira.

A questão é: se consumimos tanto e viciosamente para realizar nosso prazer, dentro da ética capitalista, como nos proteger dos vícios daqueles que também consomem tanto dos nada éticos traficantes? A maior parte das mães que vêem seus filhos nas mãos destes elementos não consegue ou não pode responder a isto. Com a expansão do mercado do crack, para onde convergem drogados e traficantes de todas as classes, ficou ainda pior.

De fato, falar de classes consumidoras do crack é muito interessante, pois se existe a cracolândia nojenta dos becos sujos urbanos, não fica distante a cracolândia escondida em apartamentos da classe média e entre os ricos. A diferença está na divulgação, que parece mostrar uma droga produzida para pobres, sendo que, na verdade, ela permeia toda a sociedade usuária, estando presente em festas de todo o tipo, entre empresários moderninhos e até autoridades que parecem sérias. Em busca do prazer, gente de todos os meios faz uso de drogas e deve crescer, nesta próxima década, o mercado de hospitais psiquiátricos especializados no tratamento a viciados.

Quando se resolver a questão da internação compulsória, se tornará até mesmo um negócio muito lucrativo, similar ao próprio retorno que o crack dá aos traficantes.

Hoje ainda não é possível internar todos aqueles que estão em busca de apoio, primeiramente porque o Estado não está preparado para isto, desmontado que foi durante os anos neoliberais, e, depois, porque a legislação é muito rígida quanto ao direito individual de ir e vir do viciado.

Por enquanto, teremos que nos apoiar em projetos de igrejas que, não raramente, tem retirado vários jovens e adultos do mundo das drogas.

Penso que as mães ficam como loucas sem saber o que fazer com os filhos que estão no estágio deplorável que deixa o uso prolongado do crack. Em mais de uma oportunidade pude verificar o estado dos viciados nas ruas, parecem zumbis prontos para atacar bolsas e bolsos dos transeuntes descuidados. São crianças, adolescentes, mulheres e adultos com olhos fixados e magreza africana, perambulando pelas calçadas em busca do traficante, que um dia se fez amigo para capturá-los. São pessoas que um dia, inclusive, tinham na pedra do crack somente um modo de ter prazer momentâneo, mas que agora têm na droga o único motivo para a própria existência, frágil e encurtada.

Mesmo que as mães se unissem pela causa dos filhos e tentassem retira-los do submundo em que se meteram, teriam que fornecer-lhes algo que substituísse imediatamente o crack, e não é só o amor não.

Teriam que estar realmente amparadas pelas mãos pesadas do Estado, que precisaria proporcionar um programa eficaz de re-sociabilização do viciado, extinguindo o tráfico e devolvendo as ruas para os cidadãos de bem. Políticas públicas, já!

Por:Djalma Araújo. (djalmaaraujopt@yahoo.com.br)

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