Se
há uma coisa que se sobressaiu nesses tempos de pandemia causada pelo vírus
SARS-CoV-2, essa foi a ignorância humana. São notórias e tonitruantes pelas
redes sociais (ou pelos veículos convencionais de comunicação) algumas
aberrações sobre tratamentos para COVID-19 e teorias conspiratórias sobre
vacinas, que denotam que estamos vivendo sob a égide não da epistemologia e sim
da agnotologia.
Historicamente,
maior atenção tem sido dada à epistemologia, que estuda e se preocupa com o
conhecimento (o que sabemos e como é produzido esse saber), e deixada em
segundo plano e pouco teorizada a área que, em tese, deveria lidar com o como e
o porquê não sabemos de algumas coisas (a nossa ignorância). Foi assim que,
depois de dois eventos criados para tratar dessa temática, o primeiro na
Universidade da Pensilvânia, em 2003, e o segundo na Universidade Stanford, em
2005, que Robert N. Proctor, professor de história da ciência em Stanford,
reuniu a contribuição dos participantes desses encontros no livro “Agnotology:
the making and unmaking of ignorance” (Agnotologia: a construção e a
desconstrução da ignorância), publicado em 2008 pela Stanford University Press,
e cunhou o termo agnotologia.
O
neologismo “agnotologia”, criado por Proctor a partir do radical grego “agnosis”,
com o prefixo “a” estrategicamente anteposto ao termo “gnosis” (conhecimento),
para denotar “não conhecimento”, presta-se bem ao fim que motivou o seu
aparecimento: estudar a produção cultural da ignorância.
Ignorância pode ser um bem ou um mal. Mas é muito mais do que uma simples falta de conhecimento. Não há necessidade de sabermos tudo. Podemos viver bem (e vivemos) sem saber de muitas coisas. O respeito à privacidade, por exemplo, integra as chamadas garantias individuais que são asseguradas pelo Estado Democrático de Direito. Há coisa sobre você, prezado leitor/prezada leitora, que eu não preciso e nem devo saber. A ignorância, nesse caso, é legalmente assegurada. E assim, avultam os exemplos. Mas, sobre outras coisas, como é o caso da COVID-19, evidencia-se a necessidade de entendimento da produção da ignorância, consciente ou inconsciente (deliberada ou não), sobre esse tema, por extrapolar os limites do meramente e justificável “ainda não conhecido”.
A
percepção crítica da ignorância, especialmente quando essa se mostra
premeditadamente construída, precisa ser mais bem exercida, especialmente pelas
autoridades responsáveis para lidar com o assunto pandemia COVID-19.
A vastidão da nossa ignorância é infinita perto do que conhecemos. Os cientistas, por exemplo, lidam com a ignorância (o que não é conhecido) no seu dia a dia. É a ignorância que faz a roda da ciência girar, insiste Proctor no seu livro de 2008. É a ignorância da falta de conhecimento que vem sendo trabalhada nas ciências da saúde, no mundo todo, visando à busca de uma solução para o problema ora causado pelo vírus SARS-CoV-2. Seja pela via de tratamentos clínicos ou pela vacinação.
E é nesse território da área médica, sensível e
pouco entendido pela maioria, que a produção deliberada de ignorância tem se
mostrado eficaz e causado malefícios imensuráveis para a saúde pública e, como
contrapartida, para a economia das nações.
Não é de hoje que a ignorância deliberadamente produzida vem sendo utilizada na defesa de interesses corporativos. Quase sempre seguindo o mesmo roteiro, que envolve a criação de dúvida razoável sobre resultados até então obtidos, a alegação de falta de consenso na comunidade científica e a aparente bem-intencionada defesa da necessidade de novos estudos para corroborar a tomada de alguma decisão.
Foi assim, no passado, com a relação entre uso de
tabaco e câncer no pulmão, o papel dos CFCs na formação do buraco de ozônio e a
emissão de gases de efeito estufa e o aquecimento global.
Agora,
pelo que parece, chegou a vez da COVID-19. A escolha é sua: em caso de opção
pelo universo paralelo das fake-news, especialmente a adesão a teses
negacionistas, só nos resta desejar boa sorte e que Deus lhe ajude!
Por Gilberto Cunha.