A viagem de hoje é uma, a de
amanhã será outra, então não perca a chance
Poucos verbos encontram maior
apreciação em ser conjugado quanto viajar. Especialmente na primeira pessoa. Há
os que têm pavor em sair de casa, largar a segurança do lar, a previsibilidade
da cama, travesseiro e banheiro. Viajar é bom, mas encontrar a própria cama (ou
sanitário) também dá prazer, dizem.
Ganhar na loteria para fazer o quê? Ter mais dinheiro para ir
aonde? Aposentar para descansar? Definitivamente, não! Melhor é ser livre para
sair por aí, caminhar para longe. Ter independência e autonomia para não
precisar voltar. Mas voltar. Eu quero ir para muito além de onde a minha vista
alcança.
O ser humano povoou os cinco
continentes por necessidade e também devido à curiosidade e mania de migrar,
mantendo acesa a inquietude cigana. Afora os acomodados, boa parte quer mesmo é
circular. Chega hoje para partir amanhã. Alguns mantêm uma bagagem pronta para
cada destino. Humanos precisam andar para espalhar costumes e sementes mundo
afora. E caso fiquem parados, sentem pesarem-lhes os pés.
“O tempo passou na janela e só Carolina não viu” (Chico
Buarque), porque quem não viaja perde tempo. Ser viajado dá status. Conhecer
meio mundo ou o mundo inteiro é ter experiência, cultura, mente aberta e
conhecimento da real dimensão do planeta azul. Mesmo com os recursos do cinema,
televisão, internet, câmeras de simulação e outros métodos de imersão para
simular viagens, sair por aí ainda é o melhor jeito de ser feliz.
“Liberdade é uma calça velha azul e desbotada”, dizia o
criticado comercial de calças US TOP (1976), numa época de repressão política,
quando os engajados queriam liberdade para eleger o presidente da república.
Com democracia, liberdade é ter o mundo inteiro para percorrer por terra, água
e ar. Viajar é ter como horizonte a circunferência da Terra, é ampliar a visão
para além das montanhas, é arriscar-se em qualquer paisagem.
Quem não viaja, vive em vão. “A
gente não quer só comida, a gente quer amor, diversão e arte” (Titãs), e viajar
é sim, boa parte da diversão. Talvez a melhor parte.
Não há dinheiro, companhia, nem possibilidade de viajar? Crie as
oportunidades, e vá, não se esquecendo de levar disposição para encontrar
alegria. A viagem de hoje é uma, a de amanhã será outra, então não perca a
chance.
Todos os caminhos podem levar a
Roma, mas o que eu amo mesmo é o mar, aquele oceano grandão, bem longe, molhado
e salgado, com o hábito de formar ondas que se desmancham numa gostosa
rebentação. O vício do mar oceano é a maré, aquela obsessão em se encher e se
esvaziar ao sabor da gravidade lunar.
A emoção de enxergá-lo em qualquer
circunstância me comove, vê-lo me faz chorar. Essa paixão antiga vem desde os
oito anos quando o vi pela primeira vez. Foi no Rio de Janeiro e chovia.
Sim, os mineiros são vidrados no mar. Já fiquei sete anos sem
vê-lo, e isso me doeu como saudade de gente. Para quem vive em frente ao mar,
não vê mágica ou poesia. Como a imagem está ali disponível, acostuma-se e a
presença funciona como o cônjuge num casamento antigo. Simplesmente está lá,
mas quando distante, a falta do barulho, do cheiro e do gosto atrapalha dormir.
É urgente seguir viagem, antes que seja tarde, especialmente
para ver aquelas atrações que são alcançadas a pé. Viajar é enfrentar emoções
autênticas de desbravamento, descobertas, visões e perigos. É correr um risco calculado,
seja no transporte, seja na estadia. O novo ronda os instantes, mesmo num local
conhecido. O inesperado apimenta a viagem, até a programada, porque gente gosta
de novidade e emoções.
O desconhecido torna certos lugares indecifráveis, por bonitos e
estranhos, ou por feios e familiares. Também podem ser estimulantes e
simbolicamente desejáveis. Vou seguindo rápido e, curiosa, agradeço por estar
vendo e andando, e assim, podendo continuar a viagem. Porque viajar é uma
sequência de aberturas na mente, olhos, portas e janelas, indo pelas estradas
terrestres, aquáticas e aéreas, culminando na emoção e abertura do riso e do
coração.
“Oi leva eu, eu também quero ir”. Quem me leva?
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