domingo, 17 de janeiro de 2016

(Quase) toda unanimidade é burra


Pesquisadores explicam por que a confiança na unanimidade é mal fundamentada.


Sob uma antiga lei judaica, se um júri considerasse um suspeito culpado por unanimidade em um julgamento, o suspeito seria absolvido.

Este raciocínio parece contrariar a lógica, mas os legisladores da época haviam percebido que, em um processo judicial, decisões unânimes geralmente indicam a presença de algum erro sistêmico. Quando algo parece bom demais para ser verdade, provavelmente é.

Em um novo estudo que será publicado na revista Proceedings of the Royal Society, uma equipe de pesquisadores australianos e franceses  investigou esse chamado “paradoxo da unanimidade”.

“Se muitas testemunhas independentes confirmam, por unanimidade, a identidade de um suspeito de um crime, assumimos que todos eles não podem estar errados”, disse o coautor do estudo Derek Abbott, um físico e engenheiro eletrônico da Universidade de Adelaide, na Austrália. “A unanimidade é, muitas vezes, considerada confiável. No entanto, a probabilidade de um grande número de pessoas concordar é pequena, por isso a confiança na unanimidade é mal fundamentada.”
Os pesquisadores demonstraram o paradoxo usando como exemplo um moderno esquema de reconhecimento de suspeitos da polícia, através do qual testemunhas apontam o criminoso em meio a uma fileira de suspeitos.

Os pesquisadores mostraram que, na medida em que cresce o número de testemunhas unânimes, a chance de o grupo estar certo diminui, até o momento em que a opinião do grupo se iguala a um palpite aleatório.

Nesse caso de esquemas de identificação de suspeitos, o erro sistêmico pode ser qualquer tipo de preconceito, como por exemplo na forma como os suspeitos são apresentados às testemunhas ou um preconceito pessoal cultivado por elas.

 Os pesquisadores mostraram que até mesmo um pequeno preconceito pode ter um impacto enorme sobre os resultados.

Conclusões unânimes são válidas apenas quando preconceitos são inexistentes, disseram os pesquisadores. Abbot dá o exemplo de testemunhas orientadas a identificar uma maçã em uma fileira de bananas, uma tarefa tão fácil que é quase impossível não acertar. Nesse caso, a unanimidade é isenta de preconceito. 

Por outro lado, identificar um criminoso é muito mais complicado. Experimentos simulados mostram que as taxas de erro na identificação podem chegar a 48%, especialmente quando a testemunha viu o criminoso rapidamente, no momento da fuga. Nessas situações, uma identificação unânime seria altamente improvável.

Há diversas outras áreas onde o paradoxo da unanimidade emerge, apontam os pesquisadores. O recente escândalo da Volkswagen, por exemplo, é um bom exemplo. A empresa alterou de forma fraudulenta o chip do computador programado para monitorar as emissões de motores a diesel, minimizando essas emissões.

Durante os testes, a baixa emissão consistente dos carros da marca alemã era um fenômeno bom demais para ser verdade. Os fiscalizadores começaram a suspeitar quando perceberam que as emissões ficavam abaixo do normal tanto em carros novos como naqueles com mais de cinco anos de uso.

 Essa unanimidade de resultados excelentes expôs a adulteração sistêmica dos sistemas de monitoramento de emissões.


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