domingo, 20 de dezembro de 2015

O morto que não morreu


A comunicação de um recém-desencarnado

A notícia caiu como uma bomba nos meios espíritas da cidade: Odair Rodrigues da Silva morreu num desastre automobilístico na BR-14, juntamente com mais duas pessoas.
– O Odair? Que pena, era bom sujeito… Exclamavam alguns.
– Tão amigo da gente, tão compreensivo, um coração imenso… diziam outros.
– E mais: excelente propagador da Doutrina!
– É isso mesmo… Concordavam muitos.
(Quase todos nós apenas recebemos elogios depois que morremos. Tem gente que faz um esforço inaudito para receber um elogiozinho na vida, e quando, finalmente, o recebe, não tem o prazer de ouvi-lo. Quando as pessoas desencarnam, a maioria diz que elas eram boníssimas, humildes e mais não sei o quê. Penso até, que o mundo está cheio de santos e ninguém está sabendo disso…)
Mas não foi nada: nos dias que se seguiram à trágica notícia, o espírito de Odair começou a “comunicar-se” em vários centros denominados espíritas. Médiuns imprevidentes e despreparados, sempre quando iam participar de determinadas sessões, desde o momento em que saiam de suas casas já estavam a imaginar o pobre Odair, pretendendo “recebê-lo” nos trabalhos práticos, no intento de ganharem a simpatia dos frequentadores, ou, quiçá, com melhores intenções. Isto varia muito. O certo, entretanto, é que não foram poucas as manifestações do Espírito de Odair, em determinados grupos que se diziam espíritas.
O que se notava é que em cada comunicação do infeliz, às vezes até no mesmo dia e na mesma hora, ele denunciava uma condição diferente: em certas manifestações, estava triste, perturbado, confuso; noutras, alegre, trocista, zombeteiro; em outras ainda, passava-se por instrutor, guia, orientador inteligente…
Quero dizer aos senhores que a comunicação de um recém-desencarnado, conforme as circunstâncias dele, pode se dar realmente; mas antes de aceitá-la como sendo autêntica, muita coisa tem que ser estudada, não mencionando a importância do ambiente formado por sentimentos superiores, não mencionando a validade do clima espiritual que deve estar em condições verdadeiramente cristãs, e isto para qualquer tipo de trabalho que preza as normas kardecistas.
O caso de Odair, porém, não exigia mais investigação nenhuma, pois enquanto o seu espírito se comunicava pelos centros invigilantes, em vários grupos despreparados, o folgadão chegou à cidade, para espanto de todos os seus colegas. (Houve, mesmo, espíritas que disseram tê-lo visto materializado, a andar pelas ruas da cidade, pois, consoante os boatos, acreditavam-no morto, realmente).
Informado quanto à sua “morte” e às suas manifestações, teve que explicar aos afoitos e apressadinhos catadores de comunicações: – Ora, gente! Quem faleceu no desastre foi outro Odair Rodrigues que, aliás, não era da Silva, por incrível que pareça: era da Cunha.
E ria, continuando: eu estava apenas passando férias à beira do Araguaia. E se alguém acha que, então, fui transportado para os centros, enquanto o meu corpo físico dormia, não deparo lógica nenhuma, uma vez que as “comunicações” diziam que eu descrevera minuciosamente o desastre, que eu mandara recados para a minha esposa, quando ela estava em minha companhia, pescando.
E arrematou, tentando, discretamente, abrir os olhos de certos espíritas: – As obras básicas da Doutrina, através de Allan Kardec, ainda não foram superadas, como propõem alguns irmãos arvorados, e nunca superadas haverão de ser, pois enquanto a ciência dos homens vem atrás do Espiritismo, comprovando tudo o que ele nos ensina, essa Doutrina, verdadeiramente evolutiva, vai à frente, abrindo caminhos novos à compreensão e ao coração dos homens.
As obras de Kardec estão aguardando pela boa disposição de muitos espíritas que precisam estudá-las seriamente, porque, se não as estudarem, continuarão a “matar” inofensivos pescadores por aí…
Quando eu morrer e, brevemente, correr o boato de que o meu espírito está comunicando por aí, por favor – não acreditem! Logo após o meu desenlace, estarei profundamente perturbado. Se eu não for conduzido imediatamente para as regiões de sofrimento, onde tenho sérios compromissos a saldar com a minha consciência, estarei, então, internado em locais de tratamento na Espiritualidade, talvez, até, longe de desconfiar da minha condição de liberto do corpo físico.
 Assim, de uma forma ou de outra, estarei muito ocupado por lá, e não poderei vir incomodá-los tão rapidamente…
Não acreditem nas minhas “comunicações”, mesmo alguns anos após o meu desencarne. Se eu for um espírito muito perturbado – o que é mais certo – não me aproximarei de certos “espíritas” que conheço, para não lhes magoar a sensibilidade, e para não ouvi-los reclamando, como acontece hoje em dia: “Nossa! hoje eu estou carregado… Deve ser e… Preciso ir ao centro, receber passes”… Eu ficaria muito triste se um amigo me recebesse dessa maneira, ao pressentir a minha presença inquietante e dolorosa.
Ao invés de me socorrer com preces, estaria me aborrecendo com as suas lamúrias. E se ele, chegando ao centro, dissesse ao dirigente dos trabalhos, como o fazem, constantemente: – Na hora dos passes, quero um em particular. Estou sentindo uma “ruinzera” no corpo… Estou assim de obsessores! “Ah, se eu escutasse um amigo dizer essas coisas de mim, tenho certeza de que “dobraria um tapa no pé da orêia dele”; eu faria isso porque não deixaria de ser o espírito atrasado, sofredor e impaciente que hoje sou.
Aposto que ele me culparia de muitas outras coisas que sentisse no momento, fora a “ruinzera” das minhas vibrações.
E se disserem que me comuniquei num Centro por aí, dando uma de conselheiro e orientador espiritual, não creiam também. Se acaso eu for constrangido a me comunicar num meio espírita, relacionarei somente as minhas experiências que lhes servirão de aprendizado na minha triste condição de espírito sofredor e infinitamente endividado.
Eu sou vaidoso, gente: se eu tiver que comunicar, depois que morrer, fá-lo-ei num centro verdadeiramente cristão, que não só atende às diretrizes de Kardec, como também vive o Evangelho; onde os seus integrantes não pratiquem o “espiritismo pessoal” e onde eles são atuantes na caridade infatigável, inspirados pela fé raciocinada e pelo bem que fazem como pediu Allan Kardec; ora, afinal de contas, eu não trairia o meu ideal: depois de muito estudar o Codificador, eu não iria comunicar em centro que se diz espírita, mas que é dirigido por “modificadores” de uma Doutrina eternamente evolucionista.
Pode parecer orgulho, não tem importância, mas, se os meus Instrutores permitirem, não me identificarei nesses centros aonde vão aceitando toda e qualquer manifestação de entidades que se dizem “fulano ou beltrano” e todo mundo vai dizendo amém, acarretando graves consequências por sobre os desprevenidos.
 Não surgirei onde dão passes barulhentos, usam formalismos ou modificam as diretrizes do bravo lionês… nem onde descartam espíritos atormentados para só receberem Francisco de Assis, Joana D’Arc, o próprio Kardec, Eurípedes Barsanulfo, Bezerra de Menezes, e outros da mesma grandiosa categoria. Afinal, quem sou eu para surgir num clima tão “elevado” como esse, adequado, somente, a luminares da bondade e da perfeição?
Se me for permitido, eu aparecerei no clima que me é próprio, em trabalhos de desobsessão, local onde se aglutinam os espíritos rebeldes e carecidos de amor, de paciência e da caridade de todos.
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