segunda-feira, 16 de novembro de 2015

As famílias e a laicidade


Vivemos um clima de nostalgia pensando que devemos regredir no tempo e recuperar não se sabe bem o quê. A palavra “resgate” carrega em si essa sensação. A vida privada prega uma volta aos bons e velhos tempos, assim como a escola, assim como a sociedade.
Vivemos um estúpido tempo de arrependimentos, esquecendo-nos de que superamos o século XIX. Temos hoje muitos direitos assegurados. Todas as crianças estão na escola, a legislação garante infinitamente menos horas de trabalho por dia, o acesso ao sistema de saúde é universal e é acessível até para estrangeiros.
A insalubridade dos locais de trabalho é penalizada e o trabalho infantil está sendo banido. Quem imaginaria tudo isso e muito mais no século XIX?
A laicidade do Estado é garantia de reconhecimento das diferenças. Estamos nos autoflagelando como se fôssemos miseráveis sem capacidade de construir nossas vidas privadas de forma satisfatória. As famílias consideram-se prejudicadas em relação às do passado, que mantinham casamentos arranjados ou afeitas a manter fachadas de felicidade, mesmo praticando o assujeitamento das mulheres e ao não reconhecimento da cidadania das crianças.
Voltamos nostalgicamente aos uniformes escolares na tentava de assegurarmos o controle sobre a infância e lamentamos a insurreição dos estudantes, que, espertos, querem algo além do quadro-negro.
 Novas circunstâncias surgem com a emancipação das mulheres, desvencilhadas da herança de submissão milenar. Vivemos uma era em que Direitos Humanos significa ausência de teologias oficiais e a abstração de condições étnicas, sexuais e sociais.
A família é a representação da vida privada, que exige hoje um Estado a serviço dos cidadãos e não o contrário. Ela quer que a maioria tenha acesso ao crescimento individual. Poucos conseguem ler o que a família pós-moderna pretende. Ela não é o centro de tudo ainda, a ponto de não ter políticas que a enriqueça.
A família convive com males de fácil resolução, caso houvesse interesse político separado da política partidária. Somos governados por pessoas preocupadas com reeleição, com reuniões formais de partidos, com audiências incipientes sacrificando o que realmente importa, que é a promoção das potencialidades individuais dos cidadãos.
Somos um povo que pensa viver uma vida não verdadeira. Segundo Luc Ferry, filósofo francês, os estoicos, em sua sabedoria, pregavam aos discípulos que deveriam esperar um pouco menos e amar um pouco mais. Fazendo eco aos estoicos, ao invés de amarmos nossos filhos um pouco mais, queremos retroceder e reinventar tempos bem sanguinários, duros e de uma moralidade castrante castradora.
Não acredito estarmos vivendo vidas fracassadas, mas temos acesso a belos novos tempos. Mas para isso temos que ver a família como o centro de nossas vidas, deixando de lado velhas utopias, modelos ultrapassados, para olharmos para a frente com a perspectiva de darmos sentido à tarefa de nos sentirmos bem e adequados. A felicidade não está lá fora, na rua, mas dentro de nós e dentro da nossa casa.
Uma família suficientemente feliz transcende! Ela ultrapassa muros e divide com os lá de fora. Não é possível construir sobre escombros. A educação é uma caminhada pessoal e coletiva, mas deve começar sobre bases sólidas, que contemplem o reconhecimento de que estamos fazendo o melhor.
Devemos viver uma revolução com espíritos abertos ao novo, sem levar para a frente o que acreditamos tenha sido benéfico para a humanidade. Estamos vivendo essa revolução há alguns anos, quando, pela primeira vez na história, nos casamos por amor, ficamos juntos por amor e acreditamos que o amor seja a nossa redenção.
Um estado laico é capaz de promover políticas de reconhecimento das individualidades e da liberdade de escolhas. As famílias precisam fazer parte de uma Pátria soberana, que não cerceia, que não seja dividida por ideologias caducas.
O olhar patológico para o passado pode trazer de volta modelos que tinham como foco o não reconhecimento da nossa humanidade, cuja vocação maior é a liberdade. 
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Um comentário:

  1. Muitas pessoas querem voltar à praticas que muitas vezes nem presenciaram. Cada época possui suas particularidades, sua sociedade. O que servia antes, não servirá agora, do mesmo jeito que o modo que vivemos hoje não servirá nos tempos futuros.

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