domingo, 18 de outubro de 2015

A (des)humanidade morre na praia


“Meus filhos escorregaram das minhas mãos!”
(Abdullah Kurdi –cidadão sírio e do Mundo)
A humanidade acaba de realizar o pior de seus selfies.
Em velocidade eletrônica na era de peito estufado e siliconizado, a passos largos que galgam conquistas efêmeras e pós-modernas, a coletividade societária, ‘organizada’ em Estado, acumula atrocidades enquanto troféus numa sanha travestida de saga. É a peleja por status que escravizou do Homem das Cavernas, hoje, enfeitiçado pelo cifrão, acumulando pecados na mesma proporção em que acumula bugigangas.
Pequeno em espírito e desvalorizado na condição de ser social, o Homem, ‘moderno’, caminha em bandos e aos prantos rumo à possibilidade gritante de uma Terceira Guerra Mundial. Calça apertado – no roubo – a inocência dos passos das crianças expulsas de seus quintais e casas, apartadas dos pais e países, roubadas em suas culturas e círculos familiares, de mãos dadas a adultos que (na sua grande maioria, nem são seus progenitores) correm da vida atordoados pela fome e medo da morte covarde.
A busca pela sobrevivência moderna não é mais ligada à riqueza culinária do pão sírio, africano ou oriental mas que seja digna e entre aspas por um pedaço duro e seco de alimento tal qual leão de circo. Leigos e ricos, os homens modernos olvidam o que afirma a Bíblia Sagrada: “Certifica-te bem do estado do teu gado miúdo; atende aos teus rebanhos, porque a riqueza não é eterna e a coroa não permanece de geração em geração.” (Provérbio cap. 27 – 23/24)
Responsável ideológico pelo tabuleiro da guerra mundializada e planejada, assassina e em série, o sistema geopolítico econômico, de hegemonia imperialista (promotor de duas grandes guerras) destina a população trabalhadora à exploração ferrenha de seus corpos, mentes e almas. Terceirizada, a classe proletária, há tempos, não ultrapassa mais que o status social relegado a simples regalos de direitos ao acesso. As políticas sociais delegadas à plebe respira debaixo da saia justa de uma burguesia que prega valores mas não usa calça. Os podres poderes de um mundo atropelado e que se diz moderno já não cabem na tigela rasa satisfeita no mingau ralo destinado às plantas da produção moderna e fragmentada. Vampiresca, a elite do capital se alimenta do sangue de quem produz valor e fomenta a mais-valia, ou seja, o trabalhador precariado.
A força de trabalho mundializada, hoje, não passa de uma grande massa de alienados que, destinada a um projeto social do capitalismo hegemônico, capenga enxergando sua migalha de emancipação da miserabilidade a meio olho de uma justiça que empunha a espada cega, pelega. Duas ou três potências ianques – em detrimento do resto do mundo – seguem destinando as sobras das riquezas socialmente produzidas ao coletivo trabalhador pobre, globalizado e amontoado enquanto exército de reserva. Enferma do corpo e com o vazio da fome roncando no estômago a plebe segue saqueada em direitos estabelecidos por tratados supremacistas internacionais estabelecidos a partir de 1789, quando a França, revolucionária, anuncia a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão.
As grandes conquistas humanitárias alcançadas ao longo dos séculos, destoam – a partir da Segunda Grande Guerra – quando usam e abusam de mais uma crise do grande capital para instituir e legalizar estruturas transnacionais com o interesse único da hegemonia do cifrão. Pavio detonador de extremada desigualdade social a qual atende a exigências monetárias neoliberais, este fenômeno sociopolítico, segundo Iamamoto & Carvalho é: “A reprodução das relações sociais é a reprodução de antagonismos de classe que tende a se aprofundar. Assim, a acumulação da miséria é proporcional à acumulação do capital.” (1998, p.62)
Assoprada pelo calor do (e)vento midiático e efêmero que unifica enquanto destoa a sociedade competitiva e urbanizada, na qual fomentam-se banalidades coletivizadas, o coletivo demente vem sendo retratado por seres (des)humanizados. E alcança o apocalipse ao se descobrir nu e mentiroso, na denúncia cruel da foto – viralizada – nas redes sociais, espelho da vaidades de um mundo socialmente desmoralizado: O corpo de uma criança que, mesmo depois de morta, segue com a cabeça apontada para o Norte, Sul, Leste ou Oeste. São os novos retirantes, vitimados pelas guerras em terras sírias, do Oriente Médio e da África, – sem rumo certo nem dignidades. E estão sendo aniquilados pelo poderio bélico das facções financiadas no tráfico de drogas, de armas e das gentes.
Órfãos de pais, sem pão nem vinho, a geração moderna de homens velhos, organizados e covardes. A banda de rock goiano Lobinho e os Três Porcão, sintonizada com os eventos que acontecem no resto do mundo profetiza: “Os velhos fazem guerras para o jovem morrer”. Asseguradas em leis amarradas à ineficácia da gestão geopolítica do planeta, corrupta e corruptível, asseveram-se as ditaduras excludentes, perpetuando a realidade covarde, cruel e assassina de milhares de vidas, sem limite de idade, credo, cultura ou poderio econômico.
Enquanto crianças inocentes morrem asfixiadas, mães são estupradas e pais desonrados na miséria absoluta, os velhos são deixados para trás, sem direitos, sem casa, sem dentes nem dignidade mínima qualquer. E apesar de tudo e de todos, o lado mais rico e hegemônico desta humanidade consumista, hipócrita e alienada, banaliza, viraliza e segue a vida correndo em busca do nada, ou seja, dando milho aos pombos.
No livro Vinha de Luz, Chico Xavier remonta a este assunto crucial e atual citando o espírito Emmanuel: “Que prodigioso éden seria a Terra se cada homem concedesse ao próximo o que lhe deve por justiça!” (20a ed; p. 316). Aos milhares, os mais novos excluídos da história contemporânea – submetida ao valor bélico o qual supera quaisquer possibilidades reais de emancipação socioeconômica e cultural ou de credo, – os trabalhadores, precarizados, seguem moendo engrenagens e vidas na macabra dança da maquinaria moderna a qual aniquila e nega qualquer possibilidade de sonhos reais ao ser social que – a cada dia – vai se tornando mais vulnerável e fictício. Exploradas na mais-valia destinada à obtenção do lucro indecente, de acumulação escandalosa e voraz, as paixões abortam sonhos e brotam fetos sem vida num jogo estranho, tacanho e infindável o qual desenha um vale de lágrimas.
Na janela midiática de um mundo mais que atual, a realidade, em luto, dá as cores ao arco-íris geográfico universalizado que exala o odor inaceitável de milhares de vidas perdidas na morte de gente submetida à própria sorte, efêmera, banalizada e virtual. O evento da guerra suja não respeita, tampouco considera aspirações, seja na luta com coragem ou através do medo de reivindicar. Seus projetos dão conta apenas da certeza de uma inexistência de qualquer futuro, a possibilidade de um amanhã, até mesmo o mais incerto.
Sentada no trono, a rainha inglesa bate mais um recorde relacionado ao ridículo, inapropriado e parasitário poder exercido pela força de guerra do cetro ianque. Invasores promotores do nefasto legado ligado à dominação pela força e coerção de povos e roubo das suas riquezas. Seu reinado e poder de império completam quase 64 anos de hegemonia parasitária de um poder local imperialista, de tentáculos globalizados.
O mundo moderno, incrédulo e frio, de tão desigual, não se dá conta da prole nivelada ao solo da guerra, sequer da estratégia egoísta que propala desigualdades sociais estampadas na miséria da população mundial. Num dos piores e mais cruéis registros do jornalismo fotográfico dos últimos três séculos, a denúncia do estado latente da podridão societária. A luta de classes – travada no século eletrônico – expõe e escancara ao mundo – através da mídia de ocasião vinculada às redes sociais – o corpo morto, ainda na infância mas verdadeiro de mais um menino vulnerável, desprotegido e inocente – o sírio Aylan Kurdi.
Kurdi é mais uma das milhares de crianças vitimadas pela logística de guerra dos três maiores exércitos invasores do mundo. A mascarada primavera, mundializada, expõe movimentos sociais financiados na ganância do lucro obtido nas necessidades urgentes e pós-modernas. Estas sobressaem às necessidades ‘mínimas’ de uma gente sofrida e que vai morrendo a conta-gotas, em carne e osso, vitimada no genocídio indecente da raça (des)humana, esparrama pelos quatro cantos do planeta – os novos ciganos.
Da noite para o dia cidadãos do mundo perdem a cidadania e a dignidade, a terra e o idioma, submetidos a leis e racismo do mundo estrangeiro, morrendo aos milhares – e por minuto – num mundo e planeta a perder de vista.
Mundo afora, este mesmo planeta joga no lixo, neste instante, somente na Argentina, mais de 1,5 milhão de tonelada de cereais, hortaliças, lácteos e carne, enquanto o resto do mundo, este mesmo imundo mundo atura-se e atira na latrina social dignidades, histórias, a fé do trabalho e a certeza de qualquer futuro.
A justificativa para mais esta expressão da questão social (mundial e moderna) – ligada às guerras – há anos, está nos versos da canção Blowin’ in The Wind, de Bob Dylan: “A resposta, meu amigo, está soprando ao vento.”

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