terça-feira, 1 de setembro de 2015

Bicicleta - a sagrada arte do bem conviver



Era uma bicicleta simples, das antigas, de ferro, que tem uma estrutura apropriada para carga. Na simplicidade condizente com o ciclista, uma caixa de legumes estava amarrada sobre o bagageiro. O que a diferenciava de todas as outras que andavam pela ciclovia daquela avenida era a carga que levava: um menino, nos seus dois ou três anos, mãozinhas firmes nas laterais da caixa, usufruindo da aventura que o pai lhe propiciava, com os olhinhos irradiando confiança naquele que o conduzia.

Muitos ciclistas profissionais vão torcer o nariz: a minha descrição está errada! E as medidas mais elementares de segurança? Como um pai pode arriscar a vida do próprio filho numa situação precária sem aquilo que todos sabem ser o certo para equipar uma bicicleta que dê segurança tanto ao condutor, quanto a alguém que o acompanhe?

Andando pelo meio de muitas bicicletas, algumas custando até dezenas de vezes o preço da que usavam, pai e filho usufruíam do prazer de circular por estas "vias modernas" que, hoje, se fazem presente em muitas de nossas ruas. Mas ainda há muito o que fazer, se comparado com outros grandes centros, onde este transporte, realmente, se transformou em alternativo.

Há, ao menos, dois tipos de ciclistas em nossas vias: um que dirige por prazer, esportividade, prática de exercício. Outro, que usa como instrumento de transporte próprio. O primeiro pode discutir que as ciclovias cortem a cidade numa justa e necessária reivindicação para que se humanize as relações nos transportes. O segundo usa o que tem e o que inventa: no início das manhãs de cada dia, há uma procissão de bicicletas que percorrem as ruas das vilas e dos bairros, em condições precárias, mas das quais não têm como fugir.

Muitos amigos que voltaram a usar a bicicleta dizem que têm medo de sair às ruas. Infelizmente, aquilo que os motoqueiros mais conscientes já diziam, agora vale para os ciclistas: o desrespeito por parte de muitos carros, caminhonetes, caminhões, ônibus... Tentando empurrar as "bikes" para o acostamento ou para as calçadas, onde, inadequadamente, terão que disputar espaço com os pedestres. Uma das mais trágicas e funestas "regras" de relacionamento: "o maior engole o menor"!

Entre o prazer e a necessidade, fiquei com a imagem daqueles dois: não sei se o pai estava fazendo apenas um passeio, ou se ia para algum lugar prestar algum tipo de serviço. Estava bem de secretário! Na precariedade dos equipamentos que usava, falou mais alto a criatividade.

 Possivelmente não pudesse equipar a bicicleta com todas as tralhas que os especialistas recomendam para andar com uma criança. Mas cumpriam o ritual de relacionamento entre pai e filho: o jeito como conversavam, a alegria de ambos, a cumplicidade no andar pela cidade, suplantava qualquer restrição que técnicos de segurança apresentassem.

Parodiando uma velha máxima poderia se dizer: no frigir dos ovos, todos somos pedestres. Ninguém veio equipado para o transporte, a não ser com as próprias pernas. Então dependemos do que a engenhosidade humana criou para encurtar as distâncias.

Há uma parte fundamental que o setor público precisa providenciar: espaços adequados e bem delimitados; mas também a consciência de que, seja numa bicicleta ou no carro mais sofisticado, o objeto perde o sentido se não pudermos fazer dele um "meio" para a sagrada arte de ir e vir - a sagrada arte do bem conviver.



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