domingo, 30 de agosto de 2015

Overdoses emocionais



Já fiz terapia com uma psicóloga. As lembranças que tenho do tempo em que só sobrevivi por causa das conversas com ela são contraditórias. Há períodos na vida em que vivemos overdoses. Ora somos muito felizes e todos os nossos poros e manifestações revelam isso, ora somos muito infelizes e transbordamos isso de todas as formas, sendo impossível esconder o que nos move, ou o que nos paralisa.

Quando entramos em crise de verdade nosso sofrimento concentra-se no meio do peito, concretamente, podemos pegá-lo com a mão. Isso é tão concreto que parece uma massa que aperta a garganta.

 Este estado angustiante nos leva a pedir ajuda, com a mão no peito, pedindo algo que nos alivie. Passei por um episódio assim: boca seca, suor excessivo, um redemoinho de água pulsando loucamente no lugar do coração, sensação clara de morte.

Minha psicóloga tateou em busca das chaves dos meus porões e essa busca foi muito sofrida, por que sou, assim como todos, um mistério, por vezes insondável e profundo.

Temos alguns clarões reveladores que nos desnudam, mas temos espaços escuros, quase desconhecidos, escondidos e fechados com uma chave que, com o tempo, perdemos. A chave dos meus porões eu permiti que fosse encontrada, a duras penas, por isso estou bem hoje. Sei lidar com meus fantasmas, mas não sempre.

Através da vida aprendi a fechar alguns compartimentos internos para conseguir me proteger de interferências que vêm lá do passado e que não há necessidade de que continuem me ferindo. Procuro com todas as minhas forças continuar acreditando nas pessoas e em mim mesma.

Procuro continuar na ativa, alerta, sondando o que acontece à minha volta. Observo as pessoas tentando encontrar-me nelas, por que acredito que fazemos parte de uma rede, onde nos reconhecemos e nos constituímos humanos.

Sei que estou viva e pulsante, quando encontro quem não vejo há tempos e acontece uma alegria genuína, que explode em lembranças de situações vividas, nem sempre agradáveis, mas que reconhecemos importantes para nosso crescimento mútuo. Quando acontece esse encontro sei que tudo valeu a pena.

É muito difícil viver sem alegria, sem encontros, sem objetivos, tendo que virar os dias na expectativa de que amanhã será melhor, ou, tendo a nítida sensação de que será pior. Viver na expectativa de futuro é devastador. E quando ficamos velhos é muito pior.

Os fantasmas começam a saltar de dentro dos porões nos assombrando sem trégua, fazendo com que cada esquecimento, cada dor, cada perda sejam prenúncio de tragédias. Sair disso é necessário, ou estragamos a nossa vida e a dos que vivem conosco.

Por tudo isso, por causa dessas overdoses emocionais, quando necessário precisamos pedir ajuda. Por vezes remamos, remamos, remamos e não chegamos a lugar algum, a não ser ao cansaço e à depressão. Aí entra o discernimento de que somos assim, vulneráveis, passageiros, e a consciência de finitude pode ser um impulso para algo que nos mova de forma mais saudável.

A procura por ajuda é um exercício de humildade. Não somos superpoderosos, nem podemos prescindir do amor e do carinho que estão aí, à disposição. Os que nos amam sofrem junto conosco e ficam impotentes tentando entender o momento difícil, tentando ajudar-nos a ancorar nosso barco que insiste em ficar à deriva.

Tenho meus medos, mas perder a alegria é meu medo maior. Olhar para dentro e verificar de onde vem o aperto, às vezes, é tarefa inútil. É necessário conversar, procurar ajuda profissional se necessário, pensar humildemente que o momento é de crise e que isso é comum a todo mundo.

 Subestimar o mal-estar é negar um bem estar que pode estar logo ali, no aconchego da família, dos amigos, em profissionais de confiança, capazes de ouvir sensivelmente o que nos atormenta.
Portanto, vamos viver nossa velhice, nossa crise de meia idade, nossa juventude com a excelência possível, com muitas overdoses, por que vida morna ninguém merece.



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