quarta-feira, 22 de julho de 2015

O fundo do poço

Em mês de férias parceladas no cartão, manchetes dão conta de gente e fatos descartáveis. No disse-que-disse das rodas de conversas bêbadas nos butecos, de gole em gole, a crise fabricada e o desemprego estrutural, estratégicos, acendem o comércio informal ao tempo em que bares e mais bares se acumulam e perpassam mais que um quarteirão. Enquanto isso e, apesar de todos, a vida segue, feito semente em bico de passarinho, a germinar e florir sabe-se lá quando e aonde.
A (des)humanidade (des)caminha e enquanto o Vaticano persegue o dízimo de ovelhas desgarradas na Bolívia. Na Alemanha, Merkel corre atrás do cheque grego e sem fundos e na imensidão pequenina do Cerrado goiano, a gestão persegue o mosquito da dengue. O Estado almeja, articula e planeja mais um golpe no trabalhador precariado propondo ao Congresso tomar mais 30% do salário magro trocado pela sua força de trabalho. Enquanto a panela social não explode nas ruas, na gaveta burocrática da gestão fatos históricos, silenciados no livro em branco do alfabetismo funcional denunciam a dimensão nevrálgica e estrutural que retira da boca do trabalhador o naco de costela clandestina e atiça a onça com vara curta. A maioria mentirosa em propostas e falsa na identidade espeta a barriga vazia com o cajado do cifrão. Covarde, desconhece a força da revolta gerada no instinto profundo e de quem convive amarrado à pior das humilhações: a fome de pão.
Descalabros das gestões a níveis federal, estaduais e municipais afuniladas por políticas públicas planejadas em gabinetes nas Três Esferas do poder burocrático trazem à janela midiática mais outra proposta indecente de aumento dos impostos e fomento do projeto neoliberal. A gestão terceirizada sucateia os equipamentos sociais – direitos constitucionais – que passam a ser transferidos à gestão lucrativa das Organizações Sociais (OS’s) avalizadas pela onguização do que é dever do Estado. O que ainda salva o cidadão é a mão de farinha pura e a certeza de que o que não tem cura é a doença do rico em querer roubar, do pobre, a dignidade em morder um pedaço de rapadura.
O retorno financeiro imediato não causa espanto à razão do mundo imediatista que, há tempos, descaminha, efêmero e às cegas, sem ela. Será que os homens serão capazes de contar aos netos o quanto (des)andaram desde a passagem dos séculos XVIII ao XIX, quando “a imagem perfeita do trabalho de prisão a oficina de mulheres, em Clairvaoux, de exatidão silenciosa por parte da maquinaria humana atingia ali o rigor regulamentar do convento: Num púlpito, acima do qual há um crucifixo […] domina quase exclusivamente o trabalho da agulha […] penitentes voluntários que aqui se fechavam para dizer adeus ao mundo.” (FOUCAULT, 1987, p. 217)
Representantes do eleitorado brasileiro, retratado no atual retrocesso político-cultural do País conseguiram e festejaram, na calada da noite, seu projeto de redução da maioridade penal. Com seu Cavalo de Tróia tentaram (sem êxito) passar por cima dos direitos e das vidas de jovens e adolescentes e da autoridade legal do Superior Tribunal Federal (STF). Mais uma armação da direita belicista evangelizada na ditadura das celas que tenta atirar, na latrina, qualquer possibilidade de emancipação da diversidade, igualdade ou qualquer movimento social que represente e defenda o novo. O Congresso, hoje, carrega tanta mala e lida com tantas delas sentadas em cadeiras suntuosas, que ali, o Diabo, com todo o currículo que tem, só encontraria vaga de trabalho enquanto mensageiro (com todo respeito à categoria e dignidade dos mensageiros).
A violência e os gastos do Estado com a indústria prisional, em detrimento da construção de mais escolas, retira do futuro do País a possibilidade de dentro de trinta ou 40 anos, tornar-se um lugar melhor e digno, seguro na ética. Em Vigiar e Punir, Foucault denuncia: “A prisão, essa região mais sombria do aparelho de Justiça, é o local onde o poder de punir, que não ousa mais se exercer com o rosto descoberto, organiza silenciosamente um campo de objetividade em que o castigo poderá funcionar em plena luz como terapêutica e a sentença se inscrever entre os discursos do saber.” (1987, p.227).
A moeda da luta de classes reflete a desigualdade social retratada pela classe média a qual (des)anda, desaparece e engorda os gráficos das inumeráveis dependências humanas, desta vez, por culpa do êxtase que proporciona o chá da raiz de ayahuasca. Já o despossuído em desejos e posses, um ‘pobre soldado’ do exército de reserva capitalista, devidamente (des)alojado por consequência da logística do capital mundializado, abandonou e tocou fogo no barraco – com os enteados e a companheira lá dentro – depois de uma boa lapada de pinga e o consumo de mais uma pedra de crack adquirida por três reais. Disponível em cada rua ou esquina, o abuso de substâncias por parte dos que militam nas instâncias do baixo clero está cada dia mais acessível, barata e popularizada, tornando fácil ao delegado encontrar o cabra que, de vez em sempre, tempera e alimenta a expectativa da vida pobre no rico tira-gosto de cajá ou manga com sal.
Rebelde, o coroinha dos santos pecadores que frequentam o plenário da Câmara, hospício político brasileiro se pronunciou ao Brasil. Com os olhos vidrados como quem cresceu movido a ritalina, Cunha leu o release do trabalho que lidera sem no entanto o saber contar de cor. Líder das bancadas da Bala, Bíblia e Boi (BBB) mencionou um tempo passado de coexistência entre os Três Poderes, a convivência independente e em harmonia. Titubeando entre a farsa do terno das comissões e a gravata apertada de quem deve e esconde, não adicionou ao discurso milionário e sem valor social. Foi a fala de quem, ‘sem pecado e rabo preso’, promove uma política sem ética de ‘liberdade esquizofrênica’, embasada na fé banalizada.
Esta a foto em preto e branco do aparelho ideológico que “se retrata na missa pouco frequentada numa capela, no enterro, num desafio de futebol, num dia de aula na escola, em um meeting do partido político, etc.” (Althusser, 1970, p. 87). A submissão do Estado laico aos desmandos de leigos enrustidos e presos à (des)razão de interesses econômicos e hipócritas promove Cunha que antes, o salvador da Pátria, agora, precisa de advogados e salvação.
Esquecem-se os maus gestores da Nação de que o proletário não é tolo e, cético, já descobriu que pobre, quando acende vela ao santo, sonha com o Capeta e ainda queima o barracão.

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